
Fazemos coisas horríveis a outros como nós
Quantos deles serão melhores
Alguns sem cama, sem lugar
Sem destino, sem futuro
Restam-nos as palavras
Resta-nos dizer o quanto lamentamos?
1. Poesia indicada pelo Bug Latino
“Uma ponte costumava estar lá, alguém lembrou”
“Uma ponte costumava estar lá, alguém lembrou,
antes da guerra:
uma velha ponte de pedestres.
A patrulha passa a cada cinco horas.
A noite será seca e agradável.
Dois caras mais velhos e um jovem.
Ele leu o crepúsculo como um livro,
alegrar-se, ele repetiu para si mesmo, ser alegre:
você ainda vai dormir
em sua cama hoje.
Hoje você ainda vai acordar em um quarto
ouvindo atentamente seu corpo.
Hoje você ainda estará olhando para a siderúrgica
ficar ocioso durante todo o verão.
Casa que está sempre com você como um pecado.
Pais que nunca envelhecerão.
Hoje você ainda verá um dos seus,
quem quer que seja que você chama de um dos seus.
Ele lembrou da cidade de onde tinha escapado.
o terreno queimado que ele procurou à mão.
Ele lembrou de um homem chorando
salvo pelo esquadrão.
A vida será tranquila, não aterrorizante.
Ele deveria ter voltado há algum tempo.
O que poderia acontecer com ele, exatamente?
O que poderia acontecer?
A patrulha vai deixá-lo passar,
e deus perdoará.
Deus tem outras coisas para fazer.
Todos foram mortos ao mesmo tempo — ambos os caras mais velhos,
e o que era jovem.
Silêncio entre as margens do rio.
Você não vai explicar nada a ninguém.
A bomba caiu entre eles —
naquela margem do rio
mais perto de casa.
A lua apareceu entre nuvens,
ouviu a melodia dos insetos.
Um médico calmo e sonolento
carregou os corpos em um caminhão militar.
Ele brigou com seu câmbio manual.
Procurou o veneno que sobrou em um kit de primeiros socorros.
E um observador que falava inglês
habilmente olhou para os cadáveres.
Até bronzeado.
Boca nervosa.
Ele fechou os olhos do jovem.
Ele pensou consigo mesmo: um povo estranho,
os moradores locais.”
Serhiy Viktorovych Zhadan
Poeta, romancista, ensaísta e tradutor ucraniano
2. Poesia indicada por Maria Lúcia Levert
“AS PALAVRAS”
"São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam;
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?"
EUGÉNIO DE ANDRADE
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