Podia ter sido,
mas ainda posso tentar
Sempre é tempo de tentar
“O Poeta vai à luta”
“Quando a palavra é muito pouco
Para o amigo
E minhas mãos estão vazias,
Sua urgência dói
Como nervo exposto ao frio,
A dor, esticando o fio,
No espanto de vê-lo erguer-se
Silencioso e partir
Com sua lança tão frágil
Vergando na ventania.”
Celina de Holanda
(Cabo de Santo Agostinho, PE., 1915; Recife, 1999)
“Ocaso do século”
“Era para ter sido melhor que os outros o nosso século XX.
Agora já não tem mais jeito,
os anos estão contados,
os passos vacilantes,
a respiração curta.
Coisas demais aconteceram,
que não eram para acontecer,
e o que era para ter sido
não foi.
Era para se chegar à primavera
e à felicidade, entre outras coisas.
Era para o medo deixar os vales e as montanhas.
Era para a verdade atingir o objetivo
mais depressa que a mentira.
Era para já não mais ocorrerem
algumas desgraças:
a guerra por exemplo,
e a fome e assim por diante.
Era para ter sido levada sério
a fraqueza dos indefesos,
a confiança e similares.
Quem quis se alegrar com o mundo
depara com uma tarefa
de execução impossível.
A burrice não é cômica.
A sabedoria não é alegre.
A esperança
já não é aquela bela jovem
et cetera, infelizmente.
Era para Deus finalmente crer no homem
bom e forte
mas bom e forte
são ainda duas pessoas.
Como viver — me perguntou alguém numa carta,
a quem eu pretendia fazer
a mesma pergunta.
De novo e como sempre,
como se vê acima,
não há perguntas mais urgentes
do que as perguntas ingênuas.”
Wislawa Szymborska
escritora da Polônia, ganhadora do Prémio Nobel de literatura em 1996. Poeta, crítica literária e tradutora, viveu em Cracóvia.
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