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Poesia Cubana

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“TEMA PARA SANTIAGO”

 

Homenagem ao cineasta cubano Santiago Álvarez

 

“Eu não poderei esquecer as bicicletas claras de Hanói,

uma terça 13, que atravessavam o ar puro daquele dia

sob um céu mais claro e mais azul.

Tinha a força natural do Nilo, do Amazonas e do Mekong.

Não poderei esquecer, em Kampuchea,

as tumultuosas tumbas, guaridas do pavor,

sobrevoadas por pássaros roubados de suas jaulas de ouro.

Como esquecer que essas imagens sagradas

nos assaltam como tigres organizados

da monstruosidade?

Como dizer que em nossos olhos

fervem suas almas arrastadas por bestas

diluvianas sobre sangue pulcríssimo vertido

para que existe outro mundo melhor?

Tu que me escutas,

onde quer que estejas, como te chames,

empurra a porta de tua alcova, vai para a rua,

busca a penumbra fiel das salas de cinema

que ali verás para sempre a flor humana de Santiago

erguida entre o fervor e o céu.”

Nancy Morejón

Cuba

 

 

“IANSÔ

 

“Quando o vento atravessa com fúria os cemitérios, sob um sol implacável ou uma chuva tranquila, estamos no reino de Iansã, um dos orixás mais respeitados e temidos da mitologia afro-cubana. Sua presença indica inegável trânsito entre dois mundos: o da terra e o do céu. Ela nos junta e por isto conseguiu relacioná-los e coloca-los a viver como um casamento exemplar, desses que chegam às bodas de ouro por decisão própria.

 

Iansã sacode o vento em qualquer estação e ergue, ao vento, seu inconfundível iruquerê como sinal de paz. Ganhe ou perca a batalha, Iansã aposta por sua paisagem natural – formada por tumbas irregulares, brancas ou cinzas, ou apenas sem cor – povoada por mortos, cruzes, epitáfios, abóbodas e seus correspondentes habitantes, ou seja, espíritos recém-chegados ainda sem identidades ou seres transitando pastando os ares da noite que é a hora favorita da deusa.

 

Os velhos guardiões dos engenhos, na quietude dos canaviais, falavam entre si, em voz baixa, dos egguns viajando pelos ares, em silêncio, enquanto perambulavam por vales e montanhas e córregos sem nome e, sobretudo, sem permissão de Iansã que fazia vista gorda com o fim de protegê-los de qualquer perigo à espreita, de qualquer injustiça, lhes concedendo um espaço entre os vivos e um bestiário inclassificável.

 

Esse reino de Iansã há muito se encontra, porque ali respira, em numerosos óleos e esculturas realizados por Manuel Mendive graças a quem conheci fontes de suas ações. Sua presença sobrevoava os céus, ou a terra firme das profundezas. Em alguma esquina da composição, mostra seu focinho iku, travessa, comendo na mão de sua rainha: Iansã. Então o espectador é apanhado pelo misterioso encanto da morte. Como faunos do céu, brotando de uma música rara, os egguns bailaram uma dança sem par por entre as folhas volantes e a harmonia dos ares, outra vez, ao redor do cemitério chinês que o olho do pintor contempla.”

Nancy Morejón

Cuba


Imagem: Andrea del Verrocchio


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