“FALEM MAIS BAIXO”
O laudo diz “morte por esganadura”. Parece claro e nítido. Qualquer pessoa esganada teve o pescoço apertado até morrer. Então, como um homem, se veste de “papito” e tenta explicar que, apesar de morta por esganadura, a mulher dele pulou pela varanda? Pulou, estando morta... Os homens pensam mesmo que basta pedir desculpas e pronto – a sociedade vai piscar um olho pro mal feito deles. Seja como for, mortos não podem se suicidar por estarem mortos – uma coisa que, quando contada em seu julgamento parece incrível, mas que é a simples verdade dos fatos.
E qual justificativa se tem para pegar dois facões e sair de casa pra matar crianças? Surto? Mas até a doença mental cria barreiras pra algum tipo de crueldade – esfaquear bebês faz parte da barreira.
Os homens acham o quê, propriamente? É lhes permitido fazer o que quiser até onde?
70% do Brasil deveria pegar COVID e “caladinho, sem reclamação” porque afinal, comprar vacina pra povo é gasto e gasto se pode cortar. Imunidade coletiva é permitir que todos adoeçam? Mais do que permitir – incentivar? Governos são lugares onde os homens desfilam batendo no peito e chamando a gente de covarde, é isso? Agir assim, é garantia de se obter bons cuidados coletivos?
A polícia do Rio resolveu mostrar sua ferocidade. Não pra nós, que estamos de algum modo meio acostumados com números superlativos em tudo, quando o assunto é segurança pública e Brasil – mas o número novo de assassinatos foi um recorde e assombrou o mundo. Muitos homens batendo no peito, balançando armas, arminhas e armonas – e parece, sem nenhum planejamento, porque saíram pra cumprir mandados de prisão e mataram quem deveriam prender. Até além do que deveriam. Aliás, dos que deveriam ser presos, mataram só três. Todo o resto apareceu de repente. Foram “bandidos novos, diferentes” e a polícia resolveu “variar”. Mas, quem mata assim, não é bandido? Mais bandido? Ou a farda é um aval para matar à vontade e dar uma desculpa qualquer pras mães, mulheres, sociedade?
Voltamos ao começo: uma pessoa esganada é citada como capaz de pular de uma varanda. Uma pessoa morre sentada numa cadeira porque quando vê um tiroteio, logo “pega um lugar pra acompanhar com conforto” ... Os bebês devem saber porque foram esfaqueados e quem pensa em não pegar logo COVID é um chato que incomoda a economia.
“As malucas da higiene”, “as velhas do cuidado” estão perguntando se lavou a mão, se tem a capinha de sapato pra entrar na nossa casa, se está de máscara. Mas os “papitos” ignoram cuidado e tudo bem.
Ando cheia de tantos machos batendo no peito – além de baterem cabeça. CHEIA! Já tenho idade suficiente pra reconhecer homens sem juízo, violentos, agressivos, que não pensam, não se colocam no lugar dos outros, egoístas, egocêntricos. Homens mal-educados, machistas e preconceituosos. Um resumo grotesco do machismo à brasileira. Algo como um prato de restaurante que é vendido como 5 estrelas, mas que quando você olha, está azedo, passado, estragado. Querem ser super machos agressivos? Vão empurrar macas, carregar doente de COVID no colo, carregar cilindros de oxigênio. Pra isso, não tem macho, só tem homem...
Se querem mostrar serviço é fácil: ao invés de baterem ou matarem gente, peguem uma vassoura e faxinem a casa. É forte cuidar de uma casa, lavar um banheiro, ariar uma panela. Olhem aí ao redor – tem muito serviço. Podem começar. 1, 2, 3.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
"Machismo, Machismo"
Tantas palavras, tantas explicações, tantas conversas, tantos pedidos, tanta dor, tanta mágoa, tantas vidas desfeitas, tanta injustiça, tanta violência, tantas mortes.
Nem assim.
Nem assim o ser humano percebe que algo está errado na aprendizagem, na educação, na continuidade de alguns comportamentos nas famílias, nas instituições, nas organizações. Nem assim é possível atenuar ou aniquilar um dos maiores venenos do mundo – o machismo, esse mesmo.
Infelizmente e tristemente não são só os homens que o “praticam”. Muitas mulheres aprenderam e aceitaram que esse é o caminho do respeito, do sucesso, do que é “certo” e são tão ou mais “machistas” que os homens. Existem também as que ignoram os seus comportamentos. Inacreditável mas é a realidade dura e crua. Triste.
As pessoas que apresentam comportamentos machistas são muito visíveis, mesmo que não seja seu desejo. Sua postura, olhar, forma de falar, de se comportar, de argumentar, as identifica com muita facilidade. Têm uma forma de estar com os outros, uma forma de trabalhar em conjunto, uma forma aparentemente discreta e educada em público. Impecáveis né? Chegam mesmo a projetar o foco do socialmente errado nos seres humanos que os identificam, não os aceitam, nem “engolem” suas posturas. Em privado, quando ninguém vê, quando sentem que podem estar à vontade, podem ser muitas coisas. Todas indesejáveis. Sua opinião e decisão sempre em primeiro, sempre em primeiro e depois em primeiro. E tudo fazem para manter esse lugar. Absolutamente tudo.
Que ninguém interfira no seu orgulho, na sua honra e na sua dignidade. Ou que considerem assim. Podem humilhar, podem agredir, podem cometer todo o tipo de injustiça e algumas vezes, terríveis maldades. Sempre se comportando e posicionando como pessoas justas e moralistas.
No dia da Mãe, vão fazer passeios de moto com os amigos, promovem aglomerações sem máscara – é de macho. Se alguém sabe mais do que essas pessoas, deveria ser admirado, respeitado e poder ensinar, mas se é mulher, ui, ignoram, ridicularizam, humilham – é de macho. Se é professor ou treinador macho e percebe que um professor ou treinador é respeitado, admirado, diferenciado, mas é mulher, ui, destrói sua reputação como lhe for possível – é de macho. Mulheres são troféus, não são pessoas – é de macho. Se são apanhados em flagrante, fazem-se de lorpas ou de sonsos e redirecionam as culpas para qualquer mulher ou para outro alguém que se ponha na carreira de tiro – é de macho. Sempre tão fortes na frente das pessoas, nos bastidores nem sabem tomar conta de si – é de macho.
Depois, por vezes, o mundo é justo. Homens sensíveis, justos, equilibrados, parceiros, companheiros, verdadeiros. Homens que não têm medo de mostrar as suas fragilidades, suas verdades, seus medos, ou quem realmente são. Homens que são completamente seres humanos entre outros seres humanos. Homens que repudiam o machismo. Homens bons. Pessoas boas. Pessoas.
Pensemos no que os jornais e telejornais mostram todos os dias e no que podemos fazer para parar com esta loucura. Homens que se vingam, que não aceitam ser deixados, recusados. Que não aceitam uma realidade diferente da que imaginam e querem. Mulheres queimadas, atiradas pela varanda, esfaqueadas, etc, etc, etc. Mulheres que enfrentam ameaças, que lutam pela liberdade e pelo caminho que desejam.
Não chega sorrir, dar elogios, deixar passar na porta primeiro, desejar um bom dia da mãe, abrir a porta do carro, oferecer rosas, dar prendas milionárias. Não é isso o importante.
“Ele é assim, tu não sabes?” “No fundo, no fundo, é muito boa pessoa.” “Eu não tenho culpa, fui educado assim.” “Queriam o quê? Que fosse gay?” “A mulher estava se oferecendo...eu ia recusar?” “Não me quer? Então não fica com ninguém.”
E você? Vai aprender a ser da mesma forma? Vai continuar a aceitar tudo isso? Vai deixar acontecer para não se chatear? Vai viver a sua vida? Já diz o provérbio: “Quem cala, consente.” E não diga que não sabe que isso lhe fica tão mal...
Ana Santos, professora, jornalista
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