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"INACEITÁVEL” e “Somos Humanos?” Bug Sociedade

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"INACEITÁVEL” Bug Sociedade

                  Meu vizinho, com uns 90 anos, passou por mim na rua e brincou: “você está de pobre e eu de rico!” – ele estava de carro, indo à missa de finados. Falou isso na esquina do Calabar – todos que moram em Salvador conhecem o Calabar. Mas, ao mesmo tempo em que rimos um com o outro, esse aperto na minha barriga, desde que o carniceiro governador do Rio veio à público pra dizer que só se perderam os policiais e que o resto não foi perda – isso e a gente vendo metros e metros de corpos mortos diante dos nossos olhos, com mães, filhos, tios, parentes amontoadas chorando suas perdas, tudo no meio da rua... e aquela criatura “nadificando” o povo na nossa cara... Minha barriga não consegue mais se desapertar. É como uma aflição que não passa.

                  Ainda na semana passada, uma menina linda de 11 anos e sua mãe nos contavam que os meninos a tratavam mal na escola: falavam mal de seus cabelos, de sua mãe. Isso tem nome: é bullying. E a escola deveria estar realmente atenta a isso.

                  Viver não é uma coisa fácil. É preciso que algumas pessoas apareçam e nos abram uma luz onde, através dela, a gente veja a vida, veja que é difícil, mas se sinta abraçada por alguém, veja que ali existe um olho, além do da sua mãe, que lhe quer bem, que lhe aconselha.

                  Na missa do Bonfim havia, como sempre, poucos brancos. Pra quem se “sente branco”, no Brasil, um estágio na Bahia é essencial:  Somos mestiços e isso é evidente na missa de finados – sempre lotadíssima. Somos de todos os matizes de café com leite. Como é possível que um governador venha a público dizer que uma trilha sangrenta de pessoas assassinadas e expostas no meio da rua não quer dizer nada e as TVs não sejam veementes na crítica? Como é possível mostrarem governadores como o de São Paulo, que matou em batidas policiais em Santos aquela quantidade de pessoas e o do Rio, que matou o maior número de pessoas da nossa história, falando em “Força de Paz”, em narcoterrorismo, sem serem interrompidos imediatamente pelos jornalistas? Na missa do Bonfim, esses meninos – que agora sabemos, nem estavam sendo procurados pelos mandados de prisão que a polícia levava – estavam no sermão, na oração, na compaixão que o padre nos pedia em seus nomes. Mas a "senhora autoridade carioca" nem piscou, as outras autoridades que se meteram e sujaram meu estado, minha cidade, meu povo também não piscaram.

Preciso falar ainda do que eu achava que meu povo era e que não sei o que pensar agora: há anos, eu passei de carro no meio de um tiroteio, no Rio, minha cidade. Foi cena de filme: um cara, subindo a rua, viu outro, virando a esquina. Nem sei se falaram. Mas eu passei no meio de um atirando no outro e abaixei no carro, acelerei sem ver nada, avancei o sinal – pá pá pá pá... nenhum tiro pegou nem na gente, nem no carro. Um milagre. E foi assim que eu me estimulei a morar em Salvador – um Rio de Janeiro sem violência. Por isso, tudo o que as pessoas fazem aqui para escaparem da violência eu já vi: Morar em outros lugares, construir condomínios de luxo, ir mais para fora da cidade, Barra, Linha Verde, São Conrado, AlphaVille... ninguém acredita aqui quando eu digo que isso não adianta nada - ou a gente entende que todos moramos no mesmo lugar, que dividimos uma cidade, um estado e um País, ou todos, algum dia, vão abrir o mapa e escolher outro lugar porque você não consegue combater sozinha os desmandos de um governador como o do Rio e de todos os que vieram antes dele. Benedita da Silva (PT-RJ) aos berros de desespero no Parlamento, pastor Otoni de Paula (MDB-RJ) igualmente desesperado, aos berros no Parlamento. Esquerda e direita unidas e dizendo: não podemos mais seguir com isso! Não é possível que os políticos prefiram se manter no poder a esse custo de sangue...

Tanto faz se é Marielle, se é pipoqueiro, se é olheiro de traficante ou faxineira. Todos nós: pobres, ricos e remediados esperamos do governador cumprimento às leis e planejamento - e essa criaturinha desprezível, de olhos pequenos e fala hesitante não entrega nada a não ser nome metido em escândalo e mortes nas batidas policiais. E isso junta 8 governadores dizendo “aprovamos, senhores”! Fazer política agora virou programa “torce e pinga sangue”? Quem precisa de políticos que criaram uma lei pra ricos e outra pra pobres? Ninguém percebe que o Brasil tem duas leis? Ninguém liga?

E que povo nós estamos virando? De novo: Que povo nós estamos virando? O meu amiguinho de 90 anos, ali no Calabar, sorrindo, indo à missa rezar - ele pode encontrar pessoas do tipo que vibram com a morte de outras pessoas. Não matam uma galinha com as próprias mãos, mas são fãs dos que mataram e decapitaram outras, entraram no mato e as executaram. Quando a notícia de que agora a polícia diz que as câmeras “simplesmente pararam de funcionar juntas” ou que ninguém pode acompanhar a perícia ou que não tinha ninguém procurado por nenhum mandato que eles traziam na bolsa, fizeram piada: “agora vão ter que ir lá de novo”. Que espécie de pessoas nós estamos virando? Ninguém pensa em ser rigoroso com esses governadores que nos matam por esporte? Que, em 2 mandatos, fez apenas uma escola e matou 120 com uma canetada? Até a mãe do policial morto fala a mesma coisa que eu: que espécie de governador é esse, que manda uma pessoa totalmente inexperiente para a morte? Não era uma operação planejada? PLA-NE-JA-DO É IS-SO?

                  É inaceitável. Ser obrigada a ver. Assistir. Ter que ouvir jornalistas tentando justificar um bando de governadores dizendo que são de paz, pisando no sangue dos que morreram e cuspindo no corpo vivo das mães. É inaceitável as pessoas tentarem fazer uma manifestação das duas comunidades que queria chegar ao Palácio do governo e a polícia coagi-los todos a voltarem “para o seu lugar”. Assédio é bullying de adultos. É inaceitável. Temos que combater na infância, com veemência. E minha barriga continua apertada, vendo a cena dos corpos no chão e os parentes chorando...

                  É amargo. Intragável. Inaceitável.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro, TV

 

“Somos Humanos?” Bug Sociedade

Somos humanos, dizemos. E acho que pensamos que somos. Sensíveis gostamos de ser e gostamos que digam isso de nós. Sofremos com a morte dos que amamos, até dos que passaram pela nossa vida de forma breve, mesmo até os tempestuosos que nos deram cansaço e “dores de cabeça”. Mas então porquê este silêncio tão silencioso depois das mortes de tantas pessoas, no Rio de Janeiro? Eram criminosos? Mas criminosos não têm pai nem mãe? Nem o direito à justiça? É para matar de qualquer jeito? E ainda ficar orgulhoso do que fez? Os outros fazem coisas erradas, são criminosos, eu faço coisas erradas, sou o justiceiro. Tem algo errado aí. Tem algo errado quando uns têm tanto pão que até estragam, enquanto outros nem pão têm para comer durante dias. Uns são superiores aos outros? Porquê? Porque nasceram ricos? Por que a família lhes deu emprego? Os protege? Isso é superioridade? Ou é desigualdade? Ou é injustiça?

Pense no homem brasileiro, atlético, lindo, charmoso, afrobrasileiro, cheio de ritmo, de boa energia. Eduque esse homem de forma machista – você é o melhor sempre, você que manda, você nunca pode ser mandado por homem, muito menos por mulher. E não lhe dê oportunidades. Nenhumas. Deixe esse homem sem dinheiro, sem comida, sem educação, sem casa, sem proteção. Ria dele. Zombe dele. Sempre que ele conseguir sair desse buraco e tentar mostrar seu ego, faça uma blitz, lhe dê umas bofetadas, dispa o homem, humilhe, envergonhe em frente de quem ele queria mostrar o ego e a vaidade. Faça isso repetidamente. Umas vezes, para assustar mais e mostrar quem manda, leve ele para ser interrogado na polícia, talvez passar uma noite numa cela. Esmague o ego, cuspa na dignidade. Depois divulgue a sua própria vida, passeie seus ternos caros, seus carros importados, as modelos que o acompanham, filme suas festas luxuosas, seus negócios bem sucedidos. Tem mais, mas isto já dá para você entender onde quero chegar.

Agora, sente em frente da televisão e chame de criminosos, de traficantes, de gente perigosa, de todos os nomes que quiser, para se convencer que você não tem culpa, nem responsabilidade sobre a vida que estas pessoas escolhem. Que outras escolhas elas têm?

Eu venho de outro país, onde tive a sorte de estudar, de ser bem educada, num ambiente saudável, num país que me deu oportunidades e eu as aproveitei. Cheguei aqui com um currículo invejável, uma experiência invejável, uma vontade de contribuir sem limites e mesmo assim também eu percebi o que é um lugar que não dá oportunidades aos desconhecidos ou aos que não fazem parte. O “clube” dos que fazem parte, dos que têm as oportunidades, é restrito. Muito restrito. Mas eles nem percebem que só dão espaço para o “que sobra” na sociedade para os outros e depois lamentam que a insegurança aumenta, os pobres na rua aumentam, como a sociedade está degradada. Está degradada sim. Porque será?

Se somos humanos, precisamos agir como humanos. Precisamos melhorar as condições dos que nada têm, precisamos prever a vida destas pessoas. Não dá mais para uns ficarem babando, desejando o que os outros têm facilmente, quando eles ralam e ralam e ralam e obtêm uns míseros trocados. E quando decidem obter mais do que trocados, de formas muito erradas, em vez de os ensinarmos, os guiarmos para comportamentos mais sociáveis e saudáveis, damos-lhes um tiro ou espetamos uma facada. E resolvemos o problema.

Eu pergunto a todos: resolvemos o problema ou aumentamos o problema?

Ana Santos, professora, jornalista


Imagem: Mira Schendel


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