“21 DIAS É BEM POUCO” e “3 Perguntas” Bug Sociedade
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“21 DIAS É BEM POUCO” Bug Sociedade
Dia 10 de dezembro termina a campanha pelo fim da violência contra a mulher. Ela que começou no dia da Consciência Negra e acabará no Dia Internacional dos Direitos Humanos, não por acaso, já que o mundo está diante de um problema que não se pode mais fingir que não existe, enquanto os Red Pills, Incels e Sigmas se multiplicam num ambiente nefasto e doentio chamado Machosfera. Muita gente não sabe, mas nesse ambiente, os homens transformam suas inseguranças em ódio contra o gênero feminino e é normal se ouvirem frases como “Aprenda a evitar esse tipo de mulher - estratégias de discurso ou misoginia monetizável no YouTube”. No Brasil são pelo menos 137 canais com conteúdo misógino que acumulam 3,9 milhões de visualizações. São gerações cada vez mais jovens com esse tipo de envolvimento, onde os meninos são “convencidos” de que o gênero feminino é que os ataca – e claro – o que eles fazem é apenas uma resposta.
Não conseguir atrair as mulheres remete a esta suposta culpa feminina de se “fazer de difícil”; se há um celibatário involuntário (Incel), certamente são os olhos femininos que não descobriram ainda onde está o encantamento que “emana daquele tipo de homem”. Ou, caso contrário, envolver as mulheres apenas para usá-las, acaba criando a demanda patológica para se venderem, “meios, técnicas e qualidades de como ser irresistível”: os Pick Up Artists, ou artistas da sedução, prega que o homem deve ignorar os sentimentos femininos.
A lista de formas criadas para que o homem destile sua própria agressividade contra nós continua e é enorme, com agendas para Homens que “Seguem seu próprio Caminho”, acreditando que o feminismo não tem nenhuma razão de existir e que relações com mulheres precisam resguardar todas as benesses para o gênero masculino, em detrimento de alguma troca emocional possível.
Contra esse tipo de homem, já totalmente perdido pelas doenças da mitificação da imagem do gênero feminino, vale apenas um aviso: se você presenciou alguma briga ou desavença, peça ajuda. Viu na rua? Chame a polícia. Está com amigos? Tire a menina de perto do monstro. Se você viveu ou está vivendo uma relação abusiva, peça ajuda. Ligue pra um amigo, vizinho, parente para contar o que está sofrendo, se equilibre e vá fazer a queixa na delegacia. Nunca desista. Não adianta nada você resmungar pela falta de atitudes masculinas na sociedade; se não conseguir se proteger contra elas, a justiça não vai alcançar sua vida - e toda proteção se faz a partir de uma mulher que seja capaz de verbalizar seus medos e desconfortos, na delegacia.
Também acontece, mas não deve nunca ser normalizado: As relações se acabam por inúmeros motivos. Portanto, mulher, não perca tempo ficando culpada, sentindo pena do sofrimento do homem que antes a atacava, assediava. Ficar como “a culpada pelo fim da relação” é inútil – mas nunca esqueça que se sentir culpada é melhor do que morrer e vá em frente – tome o rumo da delegacia e se proteja. Pense em seus filhos, em seus familiares e amigos e saia da vida desses homens – eles são doentes.
Nesses 21 dias que ainda não findaram, olhem ao redor: os homens se esmeraram para demonstrar do que são capazes, apelando para mortes violentas, tortura mental, física, psicológica, emocional, criando um círculo de fogo de notícias trágicas. O Bug sofreu ataques de haters por participar dessa campanha associada ao nosso ativismo contra o preconceito racial, mas nada nem ninguém pode nos calar - e o Bug, ao não se calar, conseguiu que eles se afastassem.
No caso de uma mulher sendo atacada, se você não se sente segura para apresentar o problema da violência, saia de casa. Qualquer coisa é melhor do que ser assassinada. Tenha respeito por sua vida e por quem é. Se você morrer, seus filhos ficam com o abusador, nunca esqueça. E todo abusador, abusa. É disso que estamos falando. Se proteja.
Por último: essa campanha não pode durar 21 dias – os homens de bem precisam se aliar a nós e iniciarmos um combate verdadeiro. A nossa convivência com o gênero masculino é e sempre foi marcada por “grosserias informais” como frases ofensivas do tipo “te chupava toda”. Tem que acabar. Ser “sarrada” no transporte, sem que nenhum homem se aproxime para nos ajudar – tem que acabar. Estar sendo humilhada na rua e ninguém se aproximar – tem que acabar. Nós estamos vendo, ora – está diante dos nossos olhos.
Em briga de marido e mulher se mete a colher. Antes que ela morra e você seja a parte omissa do problema. A parte cúmplice, que finge que não vê, que não se envolve. Não seja parte do mal. Os 21 dias precisam tocar seu coração e não apenas continuar habitando as já tão manchadas de sangue páginas policiais no Brasil.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“3 Perguntas” Bug Sociedade
Quanto mais velha fico, mais valor dou aos profissionais, seja de que área for, que falam para nos ajudar, que nos contam seus segredos, que realmente estão ali para doar: bondade, generosidade, sabedoria, informação, avisos, conselhos. Que de repente, os sentimos como familiares, tamanha é a sensação de que nos querem ajudar e que nos “entregam tudo o que sabem”. E menos me atraem os profissionais que parecem esconder suas fragilidades, que se mostram muito formais e distantes, que mostram sua sabedoria aos poucos, como se nos estivessem a dar docinhos para nos agradar, mas que dessa forma, parecem me estar a dizer que se acham superiores e que também acham que não aguentamos muita informação. Resumidamente, não gosto que me tratem de forma inferior, mas de forma igual – horizontal, não vertical.
No mundo atual, essa honestidade, frontalidade, abertura, até fragilidade, um comunicador deve ter. As coisas precisam lhe importar. Não está ali apenas debitando informação, está com o coração ligado. Não é para ser admirado, é partilha.
Há muitos anos atrás, chorei junto com um médico, quando abrimos juntos um exame e percebemos que eu não estava tão mal como receávamos. Esse médico me disse: “A Ana não imagina a conversa que teríamos se os resultados fossem diferentes. Eu também fiquei muito aliviado e emocionado.” Eu nunca esquecerei esse momento. E sempre que vivo um momento assim, em que o profissional me mostra seu lado humano, guardo no meu pequeno coração. Quando o resultado é bom, ou nem por isso.
Pilar Sordo, psicóloga e escritora chilena, me cativou logo nas primeiras falas. Sincera, clara, com preocupações iguais às minhas, às de meio mundo e com formas de as solucionar muito encantadoras e práticas.
Como estar bem?
Como permanecer bem?
Sem ir atrás de receitas que não me satisfazem e que não são boas para mim?
Como fugir às receitas do que não devo comer, fazer, pensar, me comportar, como a receita perfeita, me considerando um robô em vez de um ser humano, único.
Todos agora treinam para maratonas, ou para triatlo, ou para trail, mas poucos caminham conversando, rindo, cumprimentando as pessoas com quem se cruzam, passando no mercado e trazendo nas mãos sacas cheias de compras. Hipnotizados pelo que fica bem no Instagram consideram repetir o que todos fazem como algo que faz bem à saúde.
Todos agora dizem que vão à academia, que tomam whei protein, todos compram roupa para ir para esses lugares.
Poucos utilizam roupa confortável, mas que não é nova e sim roupa envelhecida, ótima para essas atividades. Mas também servem para jardinagem, carpintaria, trabalho de pedreiro, cozinhar, arrumar e limpar a casa, passear na montanha, no campo, na praia. Roupa envelhecida, útil, única.
Todos fazem yoga, meditação, pilates,... Mas isso não quer dizer que essas atividades funcionem para todas as pessoas. E não funcionam, porque cada um de nós é único e necessita de coisas únicas. E precisa ter cuidado em procurar e fazer as coisas únicas que funcionam para si. Se for com a manada, vai-se desequilibrar, vai começar a ter “faltas”. Como quando as análises dizem que estamos com baixa vitamina D e sabemos que precisamos de sol e de repor. Essas atividades copiadas têm resultados mais danosos do que benéficos. Mas ninguém quer saber.
O que me acalma?
Meditação ou apenas o silêncio?
Ou ouvir música?
Ou nadar?
Ou ler?
O que me faz sorrir, dar gargalhadas, me deixa leve?
Cantar?
Cozinhar?
Conversar?
Estar com meu cachorro?
O que preciso evitar na minha vida porque já percebi que me faz mal? Mesmo que todos digam que não posso evitar isso? Preciso saber e preciso evitar.
Pilar Sordo nos pergunta se pensamos coisas positivas de nós, ao responder a estas 3 frases: “Na maioria do tempo, penso que eu...”; “Eu sou...”; “Penso que as pessoas acham que eu sou...” Interessantes estas perguntas sobre nosso discurso interno que é muito do que somos, porque acontece na maior parte do tempo dos nossos dias.
Pilar nos convida a analisar se pensamos positivo em uma, duas ou nas três perguntas. Nos convida a trabalharmos isso, a mantermos o trio bem. Também nos estimula a “criarmos uma relação interior com quem somos”, como se fossemos um amigo, um/a namorado/a, um familiar, de nós próprios. Um exemplo que dá: tratarmo-nos bem, interiormente, quando não fizemos algo como gostaríamos de ter feito, e falarmos carinhosamente: “não correu bem Ana. Não estivemos bem hoje. Tudo bem. Amanhã vamos tentar fazer melhor, ok?” Isto é muito diferente do que aprendemos socialmente: “caramba Ana! De novo? Estás parva? Como podes falhar de novo na mesma situação?...” Carregado de punições, castigos, pressões, humilhações, etc. Isto não com os outros, com você mesmo. E ao melhorarmos isto, ficaremos bem conosco, nos sentiremos bem dentro de nós e não precisaremos de procurar outros para ocupar “vazios” que não conseguimos ocupar em nós. Ela até lembra que não devemos ir ao mercado com fome. Para não comprarmos o que não devemos. Ao “matarmos” a fome em nós, conseguindo um bem estar individual, quando formos ao “mercado”, comeremos se quisermos, quando quisermos e como quisermos. Porque não estamos “desesperados”.
Penso nas mulheres que neste momento sofrem horrores com seus parceiros e que acham que não têm outra saída a não ser aguentar. Como eu gostava que elas lessem estas palavras e procurassem ouvir Pilar Sordo. Quem sabe assim, conseguem começar a sair da situação dentro de si, a amar-se mais. E assim, a ter um outro olhar sobre a realidade, tendo mais capacidade para encontrar respostas, soluções e até para mudar seus comportamentos de medo e resignação. Quem sabe conseguem se “alimentar antes de ir ao mercado” e assim, evitar escolher o que lhes faz tanto mal.
Ultimamente tenho pensado muito na Tainara Souza Santos e na dor que sentiu enquanto perdia suas pernas, debaixo daquele carro, lutando pela vida perante uma situação tão absurda quanto injusta. Desejo muito que ela sobreviva e que, como disse a mãe, que consigam lhe dar todo o amor que querem dar e que ela merece. Desejo também que todas sobrevivam. Penso sempre que resistirmos, sobrevivermos, é a nossa grande arma.
É inacreditável como existem advogados que se prestam a dar ideias mentirosas e absurdas para estes criminosos se salvarem. Como isso é possível? Esses advogados deviam ser proibidos de exercer a profissão. As imagens mostram a monstruosidade e vem aquele verme dizer, aconselhado por advogado ou advogados, que nem sabia que ela estava debaixo do carro, que não a conhecia, que tinha se chateado com o homem com quem ela caminhava. Sério? Conversinha para fugir à Lei Maria da Penha? Surgiu na prisão, assim, do nada, vinda da capacidade intelectual de um criminoso? Como um ser humano consegue? Como é capaz de depois de fazer o que fez, ter a coragem de mentir desta forma? E de existir uma pessoa que estuda para ser advogado, para ajudar estas pessoas desta forma? Meu Deus...
O Bug Latino tenta ajudar de alguma forma. Enquanto jornalistas mulheres, falamos, escrevemos e continuaremos. Queremos divulgar histórias de sofrimento das mulheres, mas até isso é difícil pelo medo delas em sofrerem retaliações se esses monstros perceberem que foram elas que contaram. É um novelo tão emaranhado, tão triste...
Hoje, tarefas para todas e todos. Se fazer estas 3 perguntas e manter as respostas positivas, nas 3. Sempre. Sempre. Sempre. Conversar amavelmente consigo mesmo, mesmo quando sentiu que falhou. Quem sabe conseguimos diminuir esse monstro que existe dentro de alguns e conseguimos dar alento às meninas que sofrem tanto neste preciso momento.
Ana Santos, professora, jornalista
Imagem: Arnaldo Pomodoro
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Terça-feira, dia de escrever sobre o que acontece no dia a dia. De crítica, de conselhos, de admiração, de espanto, de encontrar caminhos melhores para todos.
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