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2 Contos: “UM BRINDE AO MACHISMO” e “O Elefante que quer ser formiga”

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    portalbuglatino
  • há 1 dia
  • 5 min de leitura

Christina Motta
Christina Motta

Conto “UM BRINDE AO MACHISMO”

Semicerrou os olhos levemente, na tentativa de absorver melhor a descortesia. Aquele homem merecia uma bofetada. Suspirou. Não conseguia sequer lhe olhar na cara. Na fuça. Tanta vaidade para aparar a barba e nada para educar aquela postura machista insuportável. Vomitável. Abominável.  Acabou de dizer para que eu procurasse o meu lugar...  E qual seria o lugar dele?

Gente “rasteira”, abjeta mesmo, tinha algum lugar especial na sociedade? Parecia que sim porque “aquele espécime” tinha recebido votos. Mas quem ela conhecia e que seria capaz de votar em alguém asqueroso? Ainda bem! Não se lembrava de nenhuma pessoa!

- Ai, meu ex chefe...

Engraçado, aquilo. Seu ex chefe era gay e machista ao mesmo tempo. Vivia soltando piadas contra tudo o que fosse LGBT, salvo ele – que era “gay, mas não LGBT” – porque pegava mal que os outros soubessem...

- Homens e suas idiossincrasias...

O “abominável” deve ter visto que não conseguia chamar a minha atenção ou a minha reação e resolveu falar mais alto:

- Ponha-se no seu lugar! Repetiu mil vezes a frase porque todo escroque quer lacração nas redes. Antigamente, a gente ouvia os homens contando em detalhes com quem tinham saído e o quê tinha rolado. Agora, não. Não se precisava mais da metáfora do “imbrochável” porque ela tinha sido miseravelmente gasta pelo outro ser ignóbil, antes desse, um dos falantes.

Ele tinha o perfume doce, daqueles que, pelo mau gosto da escolha, davam enxaqueca no final do dia.  Soltava aquelas piadas dignas de bofetadas, mas isso seria se igualar ao “ser vomitativo” que ele era.

Lembrou dos homens: Será que teriam assinado o documento para dar entrada no impeachment daquele verme? Ou – como uma nuvem de insetos – tinham calado, mesmo sabendo que sem a generosidade das mulheres nenhum deles teria sequer nascido?

- Ai se eu tivesse um ovo podre e uma janela discreta, meu Deus... Sabia que nem Deus acharia aquela “ovada” um “pecado”. No máximo um deslize. E Jesus tinha perdido a paciência com o lance dos fariseus também...

Chegou a sorrir. O pateta grosseiro na sua frente foi parando de falar por falta de “público”. De vez em quando dava um grito histérico, histriônico em busca de um olhar, mas aquela altura, já dava seu ataque sozinho. As mulheres conversavam animadamente e, de quando em vez, lhe relanceavam os olhos, discretamente – algumas meneavam a cabeça e depois sorriam. Sempre haveria o pateta da vez, o machinho empolado e ridículo, fazendo de um tudo, apenas para nos chamar a atenção.

- Vai ver que esse não teve a mãe lhe olhando, quando pequeno...

- A senhora está olhando o quê?

- Olhando você. Esse seu jeito...

- Pois a senhora ainda não viu nada!

- Incrível... Você diz que não vi nada, mas dentro de mim, o que vi foi mais que o suficiente...

A plateia aplaudia, às gargalhadas. Lá estava o caráter porco, sem fôlego, aos gritos – todos de protesto, com “muita liberdade de expressão” e claro – falta de educação. A sua pose já havia caído por terra há tempos. Disfarçou seu desprezo, afastou levemente a poltrona onde havia se sentado e levantou.

- Na hora de votar, faço questão de me lembrar de te esquecer!

Todos a olharam. Ele também. Silêncio. Ela caminhou até a frente da mesa principal – plateia lotada. Olhou para ele, enfiou o dedo na garganta e fingiu uma ânsia de vômito. Lembrou de Fernanda Young e Rita Lee. Em homenagem às mulheres, senhor.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV



Conto “O Elefante que quer ser formiga”

- A senhora é portuguesa?

- Sou.

- Eu tenho Parkinson, mas não tremo. Sabe que sintoma estranho eu tenho?

- Não faço ideia.

- Tenho desiquilíbrios.

- Não sabia. Pensava que o grande problema da doença de Parkinson eram os tremores. Então não pode tomar café, talvez chocolate, talvez queijo?

- Felizmente posso tudo. Tomo o medicamento e o efeito passa depressa, mas continuo a poder beber e comer o que desejo.

- Que estranho.

- Sabe quantas vezes já fui a Portugal? 20 vezes. Agora não posso mais ir, mas posso continuar a tomar os Brandy’s de lá.

- É mesmo?

- Sim, o Croft por exemplo adoro.

- Não atrapalha o desequilíbrio?

- Nada.

- Que bom! Vou ter de ir. Gosto em vê-lo

 

Que conversa mais estranha. Sempre esta alegria em lhe dizerem que já foram a Portugal muitas vezes, que lá tem coisas boas, que adoram a Europa, as bebidas, as comidas, tudo. Mas o mais estranho é que já é o terceiro homem que conhece que diz que apesar da sua doença, dos seus problemas de saúde, pode beber álcool. E o comentário é sempre igual: “o médico diz que até me faz bem...”.

Um dia perdeu a cabeça.

- O senhor não vai me dizer também que já foi a Portugal 15 vezes.

- Não vou dizer porque não preciso. A menina já o disse. E não foram 15, foram 16 vezes.

- O senhor é um elefante que quer ser formiga né?

- A menina está me ofendendo? Olhe que eu sou um procurador muito famoso e tenho muitos amigos influentes.

- Eu imagino. Mas mesmo assim o senhor é um elefante que quer ser formiga. E apesar de não parecer, não o estou a ofender. Estou a tentar acordar “seu pensamento”.

- A menina está a criar um enorme problema. Eu também conheço o Cônsul de Portugal na Bahia.

- Que bom que conhece. Não deixa de ser um elefante que quer ser formiga.

- Agora chegou ao limite. Vou chamar a polícia, vou processá-la e vou fazer tudo para que seja enviada de volta para o seu país...

- Das formigas...

- Como é? Ainda continua?

- Veja, o senhor pode fazer o que quiser, está no seu país. Eu não o ofendi, nem tive a intenção de o ofender, mas com seus conhecimentos e influências e seu dinheiro e seu poder, com certeza me colocará em muito “maus lençóis”. Mas eu não o posso impedir. O que eu estou tentando dizer é que o senhor vive no Brasil, num país gigante, onde existe de tudo o que a vida nos pode proporcionar, mas onde quer estar é no meu país, Portugal, país pequeno, empobrecido, endividado. O Brasil, país gigante, como um elefante, tem habitantes que desejam Portugal, a formiga. Um elefante que afinal prefere viver na terra das formigas. Enquanto isso, seu país piora, e como piora, você, elefante, aumenta seu desejo em ser formiga. Nem percebe que o país das formigas não está bem, porque o senhor apenas deseja sair do país dos elefantes, visitar as formigas e depois falar a todos os elefantes do que fez, onde foi. E quando encontra uma formiga solitária e abandonada, o prazer ainda é maior. Vê? O senhor é um elefante que quer ser formiga. Uma pena não ser um elefante que quer melhorar a vida de todos os outros elefantes com o dinheiro que gasta a visitar as formigas.

- Chega!!! É maluca, doida, avariada... Não chamo ninguém. Vai mesmo morrer agora com um tiro da minha pistola, que comprei em Matosinhos.

- O lugar onde eu vivia...

Ouve-se não um, mas dois, três, quatro, cinco tiros, gritos...

Ana Santos, professora, jornalista



Sábado é dia de conto no Bug Latino. Contos diferentes, que deixam sempre alguma reflexão para quem lê. Contos que tentam ajudar, estimular, melhorar sua vida, seu comportamento, suas decisões, sua compreensão do mundo.

 

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