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2 Contos "Laurinha"

Foto do escritor: portalbuglatinoportalbuglatino

Conto “NEM DIGA QUE NÃO FOI AVISADA!”

Rio de Janeiro combina com o quê? Voto de protesto. Foi assim que o macaco Tião se elegeu para inúmeros cargos públicos – e depois, “eleito”, jogava cocô nos visitantes do ZOO – qualquer semelhança com a atualidade do desespero carioca, poderia ser ou não uma metáfora...

O Brasil evoluiu e a ideia de escolher criteriosamente, foi substituída pelo “voto de protesto”. Foi assim que Laurinha se elegeu. Como na novela, quando batia nas pessoas, cuspia nas regras, provocava encrenca de todo tipo, sorte e qualidade, seu pai já idoso, justificava:

- São coisas de Laurinha...

Isso queria dizer alguma coisa parecida com: - Releve... Esqueça... Eu faço qualquer coisa pra não acontecer nada e pronto.

O tempo foi passando e Laurinha transformou o Rio num inferno onde nada funcionava. Nada. Milícia, bandido, traficante, arma pra todo lado: bolo de arma, aniver de arma, arma de verdade, tiros de verdade, mortos de verdade. O fato é que Laurinha se queimou no filme. Quando dizia que era boa, todo mundo ficava na sua – mas ninguém “comia nada daquilo”.

Começou a exagerar – Caraca, fazer bullying sempre tinha dado certo! – e pagou pra espalharem pelo Rio como ela era boa, educada, boa aluna, aplicada. Pagou por tudo e muito mais: tinha flyer com a cara dela em todo território carioca, tinha suco de caixinha com a cara dela, pipoca de micro-ondas, WhatsApp personalizado. Nada.

Comprou um dia da vida da cidade e aplicou: - Isso nunca aconteceu, todo mundo vai ficar besta! Nada. Na hora do discurso, com todo carinho, falou que quem não gostasse dela ia tomar muita porrada na escola, no clube, no trabalho, na vida. E quem quer apanhar mais da vida? Aí melou.

Seus seguidores – mega fieis – apelaram. Porrada era dada como se dá bom dia. E também tiro, batida na traseira do carro. Palavrão e desaforo então, nem se fala...

Ela, que parecia super confiante, se desesperou. Fez de tudo o que ensinavam: - Grita que tu é a mais gostosa do mundo! – ela gritava.

- Grita que se você não ganhar, vai se matar na frente de todo mundo, cara! Tá na cara que vão ficar com aquela peninha básica de você! Hummm... não, não.

- Vai ter uma onda aí com um evento de uma pop star inglesa... De repente... – ela arrumou logo a malinha.

- O que eu tenho que fazer pra esse monte de mala sem alça me escolher, meu Deus?

E depois de um tempo de silêncio:

- Bastava ter gasto de verdade, o que gasta agora, apenas para mentir. – Aí, Deus jogou duro!

Ninguém sabia o futuro, mas a lição precisava ficar pra sempre: não proteste, vote certo. Entre ser livre ou ficar preso, não seja bobo – nada é melhor que a liberdade. Não seja agressivo porque ninguém merece grossura, nem no Rio, nem em nenhum lugar do mundo. Não nos ameace ou trate mal, se você sempre soube que ia precisar da gente, nesse futuro. Não me olhe, não me procure: eu também te odeio. Se vai começar a chorar antes, vá pra cama e chore lá – é mais quentinho, pelo menos.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Conto “Não faz isso comigo não!”

Ela era doida por esporte, por atividade física. Uma menina que fazia tudo que os meninos faziam, na maior facilidade. Correr, saltar, jogar qualquer jogo, ajudar a transportar móveis, carregar tijolos, sacos de cimento, cestas de fruta, subir às árvores, etc. Fazia tudo e amava fazer tudo. Não tinha nem noção do que era capaz. Ela apenas amava muito fazer, fazer. O seu amor pelo esporte foi ficando cada vez mais sério e por vezes, quando assistia a entrevistas ou documentários sobre como os grandes atletas treinavam ou se concentravam, ou comiam, ou se vestiam, ela experimentava algumas coisas. Foi assim que começou a comer mais fruta do que já comia, a comer legumes e verduras, a só beber água ou sucos naturais, a aborrecer a mãe com seus pedidos esquisitos de comida sem gordura, principalmente antes dos jogos. Começou a preparar-se para as competições em que participava como atleta, como se fossem finais do campeonato do mundo ou finais dos Jogos Olímpicos. Levava tudo muito a sério mesmo. Uma paixão, uma dedicação e uma entrega total.

Conseguiu entrar numa das melhores faculdades de educação física e esporte da Europa. Sentia um imenso orgulho mas, vinda de uma aldeia, sofreu um enorme impacto com as mudanças. Uma cidade enorme que não conhecia, transportes públicos que nem sabia o que eram, como se utilizavam, muitas matérias, muito estudo. Ouvia os professores como se cada um fosse o Dalai Lama. Cada professor era super famoso: um porque era o treinador da seleção de natação do país, outro porque era o preparador físico de um clube de Futebol muito importante, outro porque era pioneiro em investigação com ratinhos, na área do esporte naquela época, outra porque era a melhor treinadora de ginástica do país, etc, etc, etc. Cada professor era mesmo um Dalai Lama para ela e sempre que estava perante um, nada mais interessava. Ouvia tudo, via como se vestia, o que falava, como se comportava, o que comia.

Ia para as aulas a pé porque não sabia andar de transportes públicos e tinha vergonha que percebessem. Também não tinha muito dinheiro, por isso, andar a pé também dava para poupar bastante. Por vezes conseguia carona com algumas das suas colegas o que a deixava muito feliz. Numa dessas caronas, para uma aula às 8h da manhã, a colega parou antes num café para tomar alguma coisa. Ela não tinha dinheiro, mas também não queria comer porque já tinha se alimentado e como ia fazer um esforço intenso de corrida, preferia ter o estômago mais vazio para poder se entregar ao esforço sem ficar enjoada ou indisposta – ia correr durante duas horas na aula de atletismo. Estavam sentadas aguardando o que a colega pediu e chegou um dos professores. Cumprimentou-as, o que a deixou super feliz, e sempre que podia observava o professor. Na hora de pedir tentou ouvir o que ele dizia, mas não queria acreditar no que ouviu: um copo de leite e uma coca-cola, um misto quente e um bolo cheio de chantilly e creme. O professor era o mais top de todos. Ele era atleta de canoagem de nível mundial, ele era preparador físico de imensos times, ele era uma sumidade em fisiologia do esforço. Tentou entender os pedidos e que truque estaria ali. Andava a estudar com muita paixão fisiologia do esforço, alimentação, mas mesmo assim não entendeu. Não teve coragem para perguntar e esse dia ficou na sua cabeça para sempre. Será que ali estava o segredo daquele professor ser tão bom em tantas coisas, além de que parecia um Deus grego, alto, super musculado? Ela que nem creme de bolo caseiro comia ficou em choque com tudo aquilo. Estava mesmo desatualizada, pensou. Se calhar, vinda da aldeia, estava ainda presa a regras antigas. A vida foi avançando, ela com suas comidinhas saudáveis, sua hora de dormir, suas 8 a 10 horas de sono, sua atividade física intensa, diariamente, seu pensamento positivo.

Passaram décadas. Já mais velha, encontra esse mesmo professor várias vezes, têm amigos em comum, vai ficando cada vez mais à vontade com ele. Um dia faz a pergunta desejada:

- Professor?

- Nunca mais me tratas pelo meu nome? Já não sou teu professor, somos colegas, amigos.

- Humm, ...tá bem. De vez em quando esqueço, desculpa.

- Mas diz...

E contou que naquele dia ficou muito curiosa sobre o objetivo dos alimentos que pediu, ainda por cima porque depois ia correr junto com os alunos por 2 horas, com o estômago cheio de uma mistura bizarra. Que nunca tinha visto uma coisa assim e que sempre se perguntou que raciocínio ele fez, para que esses alimentos o ajudassem, ainda mais, a ter rendimento tão alto, como ele tinha. Ele tão especialista nessas áreas, ela gostava de finalmente ouvir, saber, o segredo, o truque.

- Sério que eu fiz isso? Nem me lembro... Se pedi tudo isso era porque estava com fome e pedi tudo o que me apeteceu. Qual é o truque? Eu que sou um guloso e não tenho cuidado nenhum com o que como. É esse o segredo...

Ana Santos, professora, jornalista

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