Contos “O BRASIL VOLTOOOU!”
Ai, o trauma de ver aquela camisa amarela... Ter que religar os fios e perceber a simbologia da camisa que ela não queria ver nem pintada de ouro estavam e deviam mesmo estar presentes.
Em casa, fugindo da camisa amarela, ela encontrou um brasileiro de verdade, daqueles que a Tv não mostrava porque estava doente ou morto ou silenciado pela censura. Um jogador de futebol que não parecia idiotizado, tinha personalidade, cuidava do meio ambiente, tinha opinião sobre vacinas, saúde, políticas sociais. Era uma pessoa viva, humana e não uma conta de banco internacional. Era alguém que se podia olhar e dizer: - É... essa ousadia é brasileira!
Viu o segundo gol de novo. Uma pintura. Até ali, o gol mais bonito da Copa. Olhou pra “amarelinha”, desconfiada, até que soube que os bolsonaristas estavam antipatizando com ela porque não se reconheciam mais. Tinha camisa amarela em toda parte, bandeira do Brasil em cada esquina. Seus olhos brilharam:
- Que conquista!
Mais do que um possível hexa seria aquele pessoal cair em si e ver que política não pode cegar as pessoas.
- Os sem noção ainda não entenderam nem o que é perder democracia...
Generais remanseando para voltarem ao seu soldo, ao invés dos milhões que amealharam, políticos ciscando dinheiro por todos os lados e nós – sim, nós – que temos que colocar moral em todo mundo, não orar para os E.Ts como se tivéssemos perdido totalmente o juízo.
- Parece mentira, mas todo mundo que está nesse País é brasileiro...
O Brasil jogou bem. O segundo tempo foi forte. Não achou perfeito, mas gostou.
- Pelo menos não tinha só canela de vidro rolando pelo chão, né... Gente mascarada...
Foguetório geral! Ninguém xingando ninguém. Só o foguetório feliz do passado.
- Será que conseguiremos perdoar? Porque, esquecer que esses caras são nossos vizinhos e precisam de um nada pra saírem da razão, isso não se pode esquecer jamais!
De qualquer modo aquela gente toda, estava lá amarfanhada no meio da estrada, com chuva de gelo e a Covid comendo solta... E se adoecerem, será que a razão voltará? E se for tarde demais e muitos morrerem?
- Nem a vacina nova temos ainda...
Mas por agora, só por hoje... Richarlison jogou um bolão!
- O Brasil voltoooou !
Que desejo esse...
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Conto “Sem resposta”
- Mãe?
- Sim filha?
- Estou com sede.
- Então vais te levantar dessa cadeira, vais à cozinha, abres a porta do armário, retiras um copo, pousas o copo na mesa, abres a tampa do garrafão de água, viras com cuidado o garrafão em direção ao copo, para a água não cair na mesa nem no chão e enches o copo. Bebes e depois lavas o copo, vais buscar um pano da louça, secas o copo e voltas a colocá-lo no armário.
- Ok.
- Mãe?
- Sim filha?
- Preciso ir no banheiro.
- Ok. Vai, faz o que sentes necessidade de fazer e não esqueças de te limpar bem, de puxar a descarga, de lavar as mãos e de verificar se o banheiro fica limpo para a próxima pessoa que o vai utilizar.
- Ok.
- Mãe?
- Sim filha?
- Não sei o que quero ser quando for grande.
- Mas não sou eu nem ninguém que te vai dizer. Tu terás de descobrir. Uns “acertam” à primeira, ou aceitam a primeira escolha. Outros vão experimentando a vida toda, escolhendo e acertando, escolhendo e mudando. Nada é o que parece. Presta atenção ao que te dá tranquilidade, ao que nunca te cansas de fazer e ao que te dá a sensação de construir algo. Estas podem ser algumas “luzes” do caminho.
- Ok.
- Mãe?
- Sim, filha?
- Estou com medo da prova que vou ter na próxima semana.
- Só tem um jeito, filha. Estuda, prepara-te, organiza-te. Prepara-te para tudo o que pode acontecer de bom e de mau. E por último, vai, faz acontecer o que desejas e queres.
- Mãe?
- Sim filha?
- Não gosto de ter menstruação. Todos os meninos se riem desse momento em mim e nas minhas amigas.
- Não digas nem penses isso filha. É incomodo fisicamente sim, mas nesses períodos precisas ter mais cuidados de higiene apenas. É também um período da tua vida onde te deves sentir orgulhosa e feliz, pois tens a capacidade de gerar uma vida dentro do teu corpo e isso é uma enorme honra da vida que deves cuidar e respeitar.
- Ok.
- Mãe?
- Sim filha?
- Todos querem que case mas eu ainda não sinto vontade.
- Então não casas. Simples assim. Não ligues aos outros. Liga ao que sentes e ao que sentes vontade.
- Ok.
- Mãe?
- Sim filha?
- E o que será da minha vida e de mim quando morreres?
- Não sei filha. Terás de descobrir sozinha. Terás de passar a encontrar as respostas para as tuas dúvidas em ti. E, de vez em quando, encontrarás as respostas no que eu disse noutros tempos, noutros momentos.
- E se não souber?
- Terás de aprender e vais aprender.
Ana Santos, professora, jornalista
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