Uma peça difícil, em muitos sentidos. Em primeiro lugar, com texto longo e sem a presença de ação, de movimento. Portanto toda a trama deste drama se passa dentro de nós. Também não há diálogos - então o acesso às nossas ações emocionais também não é o que usamos cotidianamente. Uma peça com 3 atores que não usa diálogos? Exato, outra coisa difícil. Na prática, a gente assiste a 3 monólogos que se conjugam e nós os interpretamos como complementares.
Então, Vultos é uma peça onde 3 atores fazem 3 monólogos e não têm espaço para muito mais do que ficarem parados - é isso mesmo. E a primeira coisa que me vem à mente como uma pessoa que se dedica à comunicação profissional eficiente, ao contrário do que as pessoas pensam ao me ver (como aquecer e desaquecer a voz?), é no peso que a prosódia e a pontuação têm num espetáculo assim.
Isso porque em quase 2 horas de espetáculo, a palavra falada tem a responsabilidade de construir a performance dos atores, já que todo o sentido da peça nasce, se desenvolve a partir do que é falado. Para isso todas as intenções precisam ser mapeadas minuciosa e funcionalmente. E o nosso idioma tem uma riqueza incrível de nuances. Eu poderia ficar aqui falando de que temos no nossa idioma uma partitura riquíssima usada atualmente por inúmeras profissões, muito além do teatro e das artes cênicas.
Mas não ficou claro pra mim em Vultos.
A primeira coisa é que não deveria parecer uma leitura e tive essa percepção em algumas partes do texto. É exatamente por isso que comecei dizendo que a montagem é muito difícil. O que tiraria a impressão de leitura? A prosódia, sem dúvida. ela daria aos atores a possibilidade de cruzar os textos, transformar monólogos em diálogos, criar ações verbais, fazer o drama acontecer.
Num momento onde a arte de representar se debruça tão fortemente sobre a neurociência, trabalhando respostas cada vez mais naturalmente funcionais e sendo a peça um fragmento da vida real, eu sugiro um mergulho intenso na magia da prosódia, nas pausas, na musicalidade das nossas intenções. E elas transformarão a tarefa de construir ações dentro da nossa imaginação, numa tarefa de grupo, difícil, em vidas difíceis, em problemas de pessoas, em drama. Em ação, enfim.
Deixo o corpo pra Ana Santos.
Ana Ribeiro, direção de teatro, cinema e TV
A peça fala de coisas muito importantes. A importância da nossa saúde e dos sacrifícios que estamos dispostos a fazer por ela sem saber o que vai suceder ou como lidar com o que vai suceder. O que os outros acham que vai ser bom para a nossa saúde, mas pode não ser para nós. A vida de um invisual e o que é melhor e pior numa vida com essas características. A escolha de tratamentos ou cirurgias com interesses mediáticos, de ambição ou de modismos com objetivo de melhorar a qualidade de vida sabendo que pode acontecer ou ficar igual ou ficar pior. A ambição ou “cegueira” profissional, sem sabermos se isso é melhor para nós ou para os pacientes. As frustrações profissionais. O amor. Os casais e a comunicação. Os casais e a felicidade e necessidade de cada um para ser feliz. O nosso passado, a nossa genética, o percurso da saúde dos nossos pais e como isso pesa em nós. Uma peça densa, profunda, forte, dura. Importante!
Achei um pouco longa. Não por ser de duas horas. Mas por ser de duas horas, com 3 atores, cada um com seu monólogo extenso e com pouco movimento, ação, gestos, corpo que pudesse ajudar a enriquecer o nosso imaginário.
Numa época em que os cenários de peças de teatro, pelo mundo, são cada vez mais simples, espaçosos e pensam em dar o maior espaço possível aos atores, fiquei inquieta quando vi o quanto o palco estava lotado de mobiliário e coisas que ocupavam muito espaço.
O ator que faz de marido, tem um corpo lindo, atlético, equilibrado. Parece um Deus grego. Mas saber adequar o corpo ao personagem é o desafio. E, esse jeito de provocar a plateia para o diálogo, bem baiano, ainda me confunde.
O figurino e o cenário nem sempre me pareceram sintonizados com o momento e o texto do personagem.
A atriz que faz de invisual, tem uma tarefa terrivelmente difícil. Os movimentos de pessoas que não se vêm em movimento são muito característicos. Estranhos. Às vezes feios, tortos, desorganizados, para nós que vemos e pensamos muito em estética. Eles pensam em função. E fazer isso bem, num espaço reduzido, tendo apenas lençóis para dobrar, é obra!
O ator que faz de médico tem movimentos que poderiam ser menos marcados, mais fluídos. Iriam ajudar muito ao texto extremamente longo e denso. Colocar uma bebida num copo ou mexer num livro ou arrumar roupa, são movimentos que sendo simples, precisam parecer simples, lógicos.
3 excelentes atores, com uma memória invejável, numa peça difícil, com espaço muito reduzido para trabalharem. A dança dos movimentos e gestos com o texto, em espaço pequeno, precisa de uma afinação sobre humana. Algo muito desafiante que nas próximas temporadas já estará mais fluído e orgânico. E o esforço enorme dos atores poderá ser muito mais eficaz e recompensador.
Agradecemos à produção a cortesia dos 2 ingressos.
Ana Santos, corpo