E se a gente conseguisse, em 10 rounds, mapear relações humanas? A peça Como se Fosse um Crime tenta fazê-lo. Engraçado que o texto me lembrou um mix de Eu Sei que vou te Amar, com muitas crônicas de Veríssimo. E, na plateia, como não podia deixar de ser, havia o arquétipo do homem machão insuportável, replicando cada fala do Lucas com "galhardia"... Talvez pelas entradas do espectador que achava que tinha nascido para ser o protagonista da vida, Alexandre tenha começado com um olho em Lucas e outro na plateia, mas Luisa assumia as rédeas do distanciamento e impunha o texto e a arte de representar.
Eu fui entrando na história, à medida em que o espectador me permitia e - vale à pena dizer - os fatos sincronizados nela repetem histórias verdadeiras que não têm graça nenhuma. Eu mesma conheço vários exemplos entre familiares e conhecidos da vida real que geraram abalos sérios - e talvez seja por isso que valha à pena rir de tudo isso, nem que seja numa sexta à noite. Como os atores programaram, lá estava eu me encontrando com meu sorriso muitas vezes. E me deliciando em assistir uma pessoa que ajudei a formar, apontei uns errinhos de dicção mais de Alexandre do que de Luisa e adoro pensar que passar pelas minha mãos de alguma maneira contribuiu para que ela fosse mais precisa em intenção, articulação e colorido.
O conteúdo dramático vai te envolvendo e no final Como se fosse um Crime, mostra cenas de drama inesperadas - pelo menos dentro daquele contexto. Quando o mergulho dos dois atores tiver a mesma profundidade, que venha terceira e inesperada voz da plateia que ela não vai mais desviar o foco de nada, nem de ninguém.
O espetáculo é delicioso, embora eu tivesse mudado de lugar, se o teatro não estivesse lotado!
Ana Ribeiro - Direção de Teatro, Cinema e TV
"A Bahia tem um jeito" poético com amantes, infidelidade, aparências, pecado, segredos, machismo, fantasia, que me desconcerta como europeia. Talvez até me espante porque eu sempre desejei conhecer este lugar e quando conheci, achei super moderno, desinibido e "avant-garde". Mas,...quando decidi viver aqui me espantei com o peso da imagem de homem que as mães criam nos seus filhos. O macho, o mandão, o cara que casa e que tem mais do que o casamento para provar que é homem. Que comenta coisas absurdas para mostrar que é o cara. Que, ... talvez como todos os seres humanos, quando está aflito ou doente, ou traído, se sente tão frágil que parece um menino pequenino perdido no deserto. Não gosta de mostrar isso, que é verdadeiro, e mostra o que aparentemente é poderoso socialmente, mas falso. Esta peça me deixou um gosto amargo disso mesmo. Do que uma sociedade aceita silenciosamente, porque se for para dar som todos são moralmente isentos.
Uma peça suave e leve, bem estruturada, com um cenário e figurino adequados. Direção difícil mas consistente, num espaço minúsculo. Cada uma das 10 rodadas tinha um caminho e movimento e isso me agradou muito. Você pode ir para rir gargalhadas sonoras, mas também pode ir para repensar sua vida, relembrar sofrimentos, perceber que ações implicam sentimentos e emoções - maravilhosas ou sofridas. Que, se você está do lado poderoso, tudo é maravilhoso...mas se você está do lado frágil, você vai sofrer muito, mesmo que faça de conta que não.
A atriz me ganhou. Focada, manteve a linha e o equilíbrio da peça. Bonita, boa dição, mergulhada na personagem, nos faz mergulhar também. O ator, na minha opinião, teve mais dificuldade em me fazer mergulhar na peça. Por vezes senti que estava mais preocupado com os comentários da plateia e em demonstrar que é poderoso.
"A Bahia tem um jeito" que pode ser maldito ou maravilhoso...
Para quem foi marcado/a por histórias assim, quem sabe ao assistir pode ajudar a mudar a história...
Ana Santos - Corpo
http://sesi.fieb.org.br/sesi/teatro/Programacao/evento/2403?titulo=como-se-fosse-um-crime&tipo=teatro