Primeiro que a viagem de Salvador até Praia do Forte é maravilhosa. Depois que Praia do Forte é um lugar diferenciado na linha verde porque a organização chama a atenção. Chegamos umas horas mais cedo e estacionamos em vagas públicas, grátis.
Estar numa reserva como a do TAMAR é privilégio. Talvez por isso a gente tenha sentido uma mudança de energia, não sei. Mais calma, mais passeios a pé, bolinho de peixe do Souza. E a mudança total dos ritmos da Bahia - verão, pra Bahia de todos os tempos e santos e orixás. Uma Bahia feita de eternos que precisam ser conservados, assim como as tartarugas. A começar do ritmo da banda TAMAR acústico, que trouxe rock, samba, ritmos de raiz, com vozes incríveis. Marcela Martinez e Marcos Clement, com vozes pesadas e seguras pra segurar rock, super afinados, dividiram o palco com a suavidade de Ana Mametto, que trouxe a velha Bahia encantada, construída pelos olhos de Caymmi e Jorge Amado. Passaram muitos vídeos bacanas, adorei ver todos e o tempo correu de uma maneira muito bacana.
O que não entendo é o motivo pelo qual qualquer festa ou manifestação de cultura precisa fazer a enorme quantidade de lixo que as pessoas apenas jogam no chão e saem andando. Eu esperava mais educação ou civilidade ou algo que não deixasse o espaço lotado de sujeira, num lugar que é uma reserva. Não adianta nada chorar pelas tartarugas se não formos capazes de dar uns passinhos e jogar o nosso lixo, no lixo.
Não imaginava o show de Lenine com o som pesado assim - são camadas e camadas de ritmo, eletrônicos, ecos, guitarras, bateria - heavy, denso, complexo.
Não imaginava ver Lenine ao vivo pela primeira vez num lugar de proteção ambiental com a tradição do TAMAR. Não imaginava que fosse no dia seguinte de um desastre horrível como o de Brumadinho.
E dentro de todos nós estava o grito de dor que Lenine soltou no ar, sem citar a desgraça porque todos a sabíamos muito bem. EU SOU TUPI, EU SOU PERI! De chorar de dor, de raiva. Um show inesquecível por muitos motivos, além dos que eu já falei.
O nível de qualidade musical de Lenine é totalmente indiscutível. Mas em casa ou no carro a gente não tem como comparar, como sentir que a qualidade da poesia e da melodia tenham a potência emocional que a gente sente quando ele canta ao vivo. É arrebatador.
Na minha frente pai e filho tocavam suas guitarras imaginárias junto comigo, em solos incríveis. E letras. Que letras. Se há um ditado chinês que diz que de um bom imperador não se sabe o nome, no caso de Lenine é muito bom que ele seja cantor, ao invés de imperador porque é impossível, num momento onde a gente acumula vergonhas e mal estares, não sentir um enorme orgulho por ele ser brasileiro e nordestino. Quebrando todas as placas de preconceito que temos ainda e mostrando que somos filhos de Tupi e de Zumbi, com ritmos incandescentes, que saem queimando nossas mãos e corações, caras e bocas, num país onde cada vez reconheço menos como gentil. Pátria mãe gentil e Brasil deveria ser algo além de uma rima, afinal.
Fui ao show de um cantor que eu adoro. Mas saí do show mais brasileira, mais rigorosa, mais coerente - deliciada - com um homem que adora orquídeas e que sente cada palavra que canta. Isso é mais que compor. Isso é renascer como Elis - que largava tudo em cima do palco e saía limpa.
Há uma força interior ou mesmo uma mágoa interior em nascer num país como o Brasil, com todos os vigores e rigores e dores de ser brasileiro sempre, mesmo quando a gente não queria ser. O show de Lenine me deu força para ser brasileira, mesmo tendo atravessada em mim Mariana, Brumadinho e um País estranho, que insiste em acreditar em grandes salvadores para grandes salvamentos (sem verem que isso é milagre, não política).
Lenine aponta um nível de dedicação ao trabalho, de inspiração, de criatividade que a gente viu na arquitetura de Niemeyer, nas cirurgias de Pitanguy, na poesia de Castro Alves. E um grito que ecoa, que rompe o equilíbrio da hipocrisia social vigente, como os que saíram das mãos de Gregório de Matos.
Mais que um show. Um grito de alma pra alma que alcançou a minha em cheio.
Ana Ribeiro, diretora de TV, cinema e teatro
Projeto Tamar te permite sonhar. Te permite acreditar que ainda existem boas pessoas e que juntas somam, conseguem desenvolver e expandir um projeto do bem e da natureza. Porque, como eles mesmo dizem, o que interessa são as tartarugas. Não é o umbigo.
Um espetáculo que se inicia com Cardápio de vídeos. Uma ideia muito fofa e que permite participação do público, além de contribuir com a divulgação do projeto. Simples e fofo.
Partimos para a segunda fase do show. A banda Tamar Acústico. Artistas que fazem parte do movimento Tamarea e que se juntam por amor ao projeto: Ana Mametto, Marcela Martinez, Marcos Clement, André Santana e Allan Amaral. Banda incrível. Escolheram um repertório musical de qualidade e que desempenham de forma fofa e competente. Tipo banda de garagem com virtuosismo. Adorei. Me fez lembrar tanto das reuniões de amigos e família em Portugal, com música. Porque virou um momento que é familiar, em que todos estão em sintonia. Cantaram músicas de Raul Seixas e outros mestres da música brasileira e também músicas compostas para o bem das tartarugas e sobre o projeto, como a música que virou quase um hino – TÁMARAVILHOSO. Estava mesmo maravilhoso e já seria um grande show. Mas ainda tinha mais. E ainda era melhor. Lenine. Lenine que parecia vir num estado de incómodo interior profundo. Um homem ligado à natureza como ele, um pensador, mestre em palavras, em mensagens, em emoções e sentimentos. Eu me pergunto como se sente uma pessoa como Lenine onde o seu país ultimamente erra feio a cada passo. E sempre que erra, os que mais precisam de ajuda são os que mais sofrem e nada podem dizer, fazer. Ele que é apaixonado por orquídeas, plantas que necessitam de um cuidado e um amor enorme para se desenvolverem. Como as tartarugas. Como os seres humanos. Todos. Brumadinho, Mariana, etc, etc, etc estavam presentes e bem presentes.
Quem não conhece Lenine em Portugal, deve conhecer. Suas letras são obrigatórias. Para mim Lenine é um Bob Dylan dos nossos tempos e do Brasil. Conheçam as letras e pensem nisso.
O show termina com Lenine e Guy Marcovaldi (um dos fundadores e atual coordenador nacional do Tamar), cantando TÁMARAVILHOSO. E todos os artistas terminam o show em palco num TÁMARAVILHOSO eterno e que fica no nosso ouvido. Para sempre.
Falta a última parte. 73 km até casa que me fez lembrar as viagens frequentes que fazia em Portugal, voltando da casa de meus pais a qualquer hora da noite. Algo que aqui nunca tinha feito. Fiz. Foi tranquilo. Mas não sei se será sempre tranquilo por isso não convém abusar.
A Praia do Forte é um lugar de luxo, turismo e conforto. Lindo, com tudo o que qualquer lugar tropical e belo no mundo tem. Boa gastronomia, beleza, praias de água morna, cheiro de protetor solar e perfume, pousadas encantadoras, hotéis de luxo, simpatia e segurança. Calçadas impecáveis. Não se vê lixo na rua. Gente bonita, famílias e famílias. A Bahia que eu conheci quando vim em turismo. A que encanta. Aí eu me pergunto...por que nada disso existe no resto da Bahia? E nem em Salvador? É que é uma diferença brutal. O lixo nas ruas, as calçadas destruídas, trilhos para bicicletas em lugares inacreditáveis que terminam e iniciam do nada, insegurança em cada canto, cada vez mais pessoas vivendo nas ruas, praias sujas, e o povo sem voz (onde me incluo). Isso me incomoda muito. Por que não se pode melhorar um pouco pelo menos? Por que não podemos contribuir? Me faz sentir muitas saudades de Portugal. Muitas. Socorro pessoal do Projeto Tamar...
Ana Santos, professora e jornalista
Site do Projeto Tamar
Música TÁMARAVILHOSO
https://www.youtube.com/watch?v=9HN5KnsC_EI