Tomara que nunca se perca a delícia que é estar na porta de um teatro e encontrar amigos. A delícia do acaso, agindo para reunir. E ontem, rever Fernando Marinho foi... perfeito!
A peça. A peça já pegou meu coração tomado de carinho por Fernando. A isso se somou uma sensação de melancolia que me toca a cada vez que leio um cordel, um texto de teatro, um roteiro que fale do sertão brasileiro. Uma espécie de melancolia onde, mesmo naquele momento engraçado, rir não é sinônimo de felicidade porque sempre há uma dose mais ou menos generosa de tristeza. Há uma dor da qual podemos rir, para que a tristeza não nos derrube de uma vez. E vi isso, senti isso. Mas mesmo assim, ali há coisas que não me pegaram.
O texto me confundiu. As linhas do tempo se cruzaram desde o início e misturar passado e presente não fez bem à peça. Talvez, o amadurecimento do texto inclua simplesmente alinhar as ações usando como base o tempo. E pode ter passado despercebido, mas falar da melancolia da mãe do bebê, antes do bebê ser gerado, mistura demais as coisas, o que desobedece uma das máximas do teatro: se o problema é de texto, ele se agrava com o curso das coisas.
Mas a peça teve momentos perfeitos, hilários mesmo, onde vi com nitidez a personalidade de Leandro brilhando no ar - o cinismo, o exagero, o desejo de apontar o dedo e simplesmente rir - a cara dele. Houve também muito espaço pra interpretação crescer e embora com um pouquinho de exagero do corpo cênico, principalmente no início da peça, adorei algumas esquetes.
E cada brasileiro já ouviu pelo menos uma vez uma coisa estranha que aconteceu com algum defunto enterrado no interior - isso praticamente é o que alimenta a nossa brasilidade, atacada atualmente por perversos vilões.
Só por isso - por me colocar frente a frente ao Brasil/Nordeste - a melancolia travestida de brincadeira, a vontade de rir de si mesmo, de fazer piada, de ser jocoso com a jocosa falta de leite, de saúde, de água, de vacina - só isso valeria muito. Se ainda veio com Fernando Marinho, aí nem se fala!
Ana Ribeiro
Direção de teatro, cinema e TV