Sabe quando você quer mostrar tudo o que sabe sobre um tema maravilhoso e tanto coloca que acaba estragando? Acaba transformando numa coisa over? Eu achei exatamente isso do filme A revolução em Paris.
O ponto crucial do exagero da busca vem na quantidade enorme de discursos: mais de vinte – uns contra, outros a favor da revolução – pelo menos tinham algum nexo, diferentemente dos discursos que ouvimos no nosso Congresso, muitas vezes.
O que importa é que se formos olhar pragmaticamente, do ponto de vista da Revolução Francesa, ainda estamos lá no século XVIII. Não temos água tratada para todos, não temos educação, saúde, nem trabalho para todos. A única coisa (única da qual me lembrei mesmo) para todos nós – e mais para os pobres do que para os ricos, são os impostos. Que se chamam impostos porque não são opcionais, são impostos ou obrigatórios a todos. Quando a gente compra um pãozinho, lá estão eles. E assim é, em tudo que se compra: IR, ICMS, ISS, IPTU, PIS, COFINS, PASEP, IPVA, IPI, IE, II, IOF... desisti no 12º imposto, mas tem muito mais.
Para os pobres continua não tendo pão, nem emprego, nem escola boa, nem hospital que atenda. Somos um dos únicos países do mundo onde pagamos os impostos para termos acesso ao serviço público e somamos outros valores para usar os serviços privados. Nos arrastamos por Revoluções que privilegiam os ricos. Não temos reis, mas os políticos são tratados como reis: carros, auxilio terno, telefone, correio, combustível, internet; aposentadoria depois de 8 anos de serviço; motorista, dezenas de cargos de assessor; $$$$$ e quando você pensa que acabou $$$$.
Queremos heróis e não percebemos que somos os heróis. O Brasil, a cada nova eleição, corre histericamente atrás de salvadores. Mas a Revolução Francesa foi feita pelo povo e o povo foi o herói da história. Por isso o filme pecou: os verdadeiros discursos deveriam estar onde eles fazem parte, são o combustível: entre nós, o povo.
O filme mostrou todos os lados, mas o lado principal, o lado que sofre, que se arrasta em busca de saídas, quem perde filhos para a peste, para a Zika, para a dengue, para a febre, a difteria continuam sendo os mesmos. E a aristocracia política precisa sair de suas poltronas de couro e tocar a pobreza. Brasília não deveria ser Versalhes, não deveria ter aristocratas pedantes dando carteiradas. O Brasil não pode apenas pedir votos aos pobres. Tocar, focar, olhar nos olhos dos pobres. O animal político precisa entender o que é sobreviver. Nisso o filme foi de um realismo extremo: os reis só lavam os pés dos pobres na missa do natal.
Esperava mais do filme. Talvez esperasse mais do filme porque continuo esperando muito mais do Brasil. Muito mais. Muito mais mesmo.
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
Uma produção gigantesca com a maior parte dos atores mais mediáticos do cinema francês da atualidade. Um momento fundamental na vida dos franceses, de toda a Europa e do mundo. Um filme longo e denso, tentando contar todos os pormenores, mostrando todos os discursos, mostrando todos os intervenientes. Pode tornar-se confuso e desestimulante como uma aula de história sem emoção, mostrando apenas factos. Porque o mundo inteiro aprendeu na escola o que foi e como foi a revolução francesa e a sua importância até aos dias de hoje. E senti falta de emoção e de uma linha de raciocínio. Quando você quer contar tudo às vezes corre o risco de não conseguir contar de forma clara e construtiva.
A República surge na personagem feminina que representa a razão, a nação, a pátria e, principalmente, as virtudes. A mulher que perde um filho e sofre. Se ergue e luta, reconstrói a sua vida e tem esperança. Mas mesmo isso está meio perdido e sem emoção.
Esperava talvez o “jeito” americano de mostrar a história e de nos estimular a lutar nos nossos dias pelos nossos sonhos e pela justiça, pelos direitos humanos e respeitando os princípios da liberdade, igualdade, e fraternidade. Desejava mais emoção e menos razão no filme.
Ana Santos, professora, jornalista
Site do Circuito Saladearte
Festival Varilux
https://circuitosaladearte.wordpress.com/