Pra quem acha exagerado ouvir que a fragmentação do mundo em divisões e qualificações nos afasta da realidade, vale ver ao documentário UM LUGAR AO SOL. É como assistir a brasileiros totalmente nonsense, opinando “seriamente” sobre a vida – e se sentindo algo “importantes” por serem protagonistas de um documentário, pode-se dizer.
O discurso das altas classes é sem sentido. Fala-se da “beleza luminosa” das balas traçantes do Rio de Janeiro, do colorido do Morro Dona Marta, de ouvir ao longe e sem correr perigo a gritos de socorro e ver nisso uma espécie de poética do absurdo.
E de caso em caso, a gente vai tomando conhecimento do motivo pelo qual o noticiário de crimes nunca tem uma resposta social pautada na paz – eles vivem em paz, afinal. Nas suas coberturas com piscina, com festas para 200 pessoas e analisando que a praia é muito cheia de “problemas” (o problema somos nós) para que eles a queiram frequentar. O isolamento opcional e a análise totalmente “out” dos problemas do mundo é mostrada com a frieza necessária, a neutralidade suficiente para nos arrepiar socialmente.
Nesse tipo de alienação rica brasileira, se geram discursos absurdos e se criam paradoxos perigosos com os quais convivemos por motivos diferentes: nós porque não temos meios de modifica-los e eles porque não se sentem nem levemente tocados com o que veem andando nas ruas – são apenas manchas de pessoas indizíveis, gritos indistintos, sombras perdidas. Mas somos nós.
Bem filmado, com metáforas bem colocadas (como a do bate-estaca do início), o filme precisa ser visto para que possa ser discutido – e discutir algo, no Brasil, no mundo, esbarra sempre na oligarquia ligada ao domínio econômico e à pobreza que ele reclama de ver ou que sublima para não ter que ver.
Imperdível.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um documentário original e muito interessante. A primeira vez que é possível ouvir as opiniões e pontos de vista de pessoas ricas ou oligarcas no Brasil. Coberturas e penthouse. Um mundo para poucos. Uma vida nas alturas fisicamente falando e na conta bancária e nos desejos e sonhos também. Espaços gigantescos onde tudo é possível, literalmente tudo, em alturas brutais. Um tremendo choque com a realidade de milhões e milhões de pessoas que não têm o que comer nos próximos 3 dias, ou que não têm onde dormir ou que acumulam os dois problemas além de problemas de saúde.
A distância em altura, te afasta dos problemas, a distância financeira também. Estas distâncias trazem outras mais emocionais, relacionais. Os tiros entre facções nas comunidades próximas são vistos como fogo de artifício belo. É chocante ouvir isso e perceber a alegria da pessoa que o fala. Não vou dar mais spoiler porque é necessário assistir e cada um ter o seu choque. Se prepare. Os gostos e desejos são de outra galáxia. As preocupações e sensibilidade também. São estas pessoas que lideram o mundo. Elas não sabem pensar nos outros, principalmente nos que sofrem, nos que passam dificuldades. A vida é diferente para elas, a noção de dor, de problema e a forma de os resolver também.
A trilha sonora e as imagens do mundo real que se misturam com este universo são muito intensas e fazem deste documentário, aparentemente de poucos recursos, um testemunho sensacional, inusitado e muito importante de ser visto. Tente não perder. E se prepare para o susto.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: O que significa ter uma cobertura em um Brasil pobre? Entrelaçando entrevistas com moradores e vistas de cima, o arranha-céu “Um Lugar ao Sol” é um exame hipnótico e revelador da vista real do topo. Este documentário de longa metragem apresenta uma análise das classes dominantes brasileiras por meio de um diálogo com os moradores de nove apartamentos de cobertura nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. Durante o filme, moradores de coberturas abrem suas casas para revelar seus pensamentos sobre desigualdade social, política e o mundo que os cerca, além de discutir assuntos mais íntimos como seus desejos, medos, inseguranças, preconceitos e histórias pessoais. Por meio dessas entrevistas e de uma narrativa poética visual e sonora, o documentário fornece uma visão evocativa da “verticalização” da paisagem urbana brasileira e aprofunda nossa compreensão do que leva as pessoas a morar em coberturas. High-rise é um filme sobre altura, status e poder que questiona a elite de uma forma nunca antes feita no cinema brasileiro.
Direção: Gabriel Mascaro
Documentário completo aqui: https://vimeo.com/62423831