Se alguém espera ver um filme ao redor de um único nó dramático em “Um ato de esperança", vai se surpreender com a complexidade da construção, da emoção, das falas que, muitas vezes embaladas com termos de direito, são totalmente consequentes e compreensíveis. Muito mais do que a vida real do Brasil, com certeza. Tenho certeza que muitos dos nossos ministros do Supremo deveriam aprender a ter foco e objetividade na aplicação da justiça – e o termo aplicação da justiça acaba tendo enorme importância, pela falta de coerência com a qual somos “presenteados” na hora em que vemos ladrões sendo soltos com desculpas que podem ser tudo, menos justas.
E se fosse só isso, se parasse aí, seria imperdível pela atuação de Emma Thompson – cada vez melhor – mostrando que a atuação, que o trabalho do ator, cada vez mais está baseado em micro expressões. Vide Glenn Close ou Angelina Jolie.
Quando você vai se acostumando a julgamentos o roteirista puxa a sua corda e a gente se vê arremessado num mar de emoções jovens e pujantes, numa energia incrível. No momento mais calmo do filme há crianças pulando e fazendo perguntas. Ação verbal exuberante cada vez que Emma abre a boca.
A ambiência complexa, a emoção, a tristeza, geram perguntas que temos que responder internamente porque não controlamos nossos sentimentos – podemos omiti-los, mas não os controlamos. E no filme, o controle inglês cai, a frieza acaba e uma mulher poderosa se esvai na própria dor de se ver impotente diante do poder da vida. Emocionante, dramático, incrível. E com mais um para essa nova geração incrível: Fionn Whitehead, numa performance forte, inesperada e com uma energia vital pulsante.
Há quem queira colocar a vida como algo morno onde quase nada lhe atravessa na frente. Na saída do cinema, procure seus olhos e pergunte se sabe – sabe mesmo – o que ainda está por vir. É sempre o tudo ou nada!
Quem não for, vai perder!
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
Existem profissões de “dedicação absoluta” no sentido em que esses profissionais são considerados competentes se levarem uma vida celibatária além cumprirem todos os requisitos. Existe quase um aconselhamento social para viver isoladamente ou com poucos estímulos para poderem decidir serenamente e de forma competente. Diz a sociedade. Não esquecer de ter relações serenas e equilibradas com amigos, família e seguir suas rotinas profissionais com extrema disciplina. Você escolhe uma profissão, exigente do ponto de vista social e de certa forma podemos afirmar que paga caro em vida por isso. Juiz é uma delas. E neste filme mostram bem as regras, as indumentárias, os procedimentos adequados. O ser humano torna-se um pouco um robô, uma máquina, uma peça dentro de uma linha de montagem. Uma vida inteira sendo assim torna as pessoas menos socializadas, mais frágeis perante situações emocionais confusas ou inusitadas. Mais facilmente vacilam em situações diferentes do ponto de vista emocional. E, talvez por isso, ultrapassam muitas vezes limites que não podem ser ultrapassados. Curioso. Cumprem regras dificílimas, super exigentes, durante anos e anos. Algo heroico. E, um sorriso, uma palavra ou provocação mais intensa fora do esperado...e desabam, desalinham, desorientam e ao perceberem isso ainda mais desalinhados ficam. Andamos sempre em busca do equilíbrio mas não podemos esquecer que esse equilíbrio não existe. Apenas é o que procuramos.
De um outro lado, pode surgir alguém que observa regras muito rígidas mas não pensa nelas. Quer viver e as pessoas que surgem na sua vida e lhe podem indicar caminhos de saúde, são pessoas com quem quer contar. Com regras ou sem regras. Isso nem pensa. Pensa no que a pessoa lhe deu. E lhe deu vida e capacidade de decisão. Maturidade. Coragem.
Gostei muito do filme. Mais complexo do que parece. Quem é jovem talvez veja o filme de uma forma. Quem é adulto de outra. E quem é mais velho, julgo que vai entender o filme inteiro. Que lindo filme para a/o neta/o, a/o filha/o, a/o mãe/pai, a/o avó/avô irem juntas/os.
Ana Santos, professor, jornalista
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt6040662/
Saladearte