Eu adoraria ver que a atriz Christanne Brujin tivesse um pouco mais de firmeza nas mãos, no momento das cenas de regência, mas no restante, não sobra nem falta nada. Acidez, presença cênica, aquela impotência que sabemos onde achar tantas vezes na vida... Esteve perfeita.
De alguma forma encontramos, aqui em Salvador, muitos “porquês não”. Quando uma pessoa de fora chega, ela desperta bastante curiosidade, mas é apenas isso mesmo. Há um lugar que é o “seu lugar” – inaceitável. Sempre aparece alguém que lhe dá como conselho “tirar uma caspa imaginária do ombro de quem você deve agradar”. Inaceitável. Também se insinua que você deve aceitar a opinião daqueles que quer agradar, mesmo quando discordar totalmente dela – inaceitável. E também, já que sempre se precisa mais do que uma pessoa, fingir que aceita tudo de quem está “acima” de você, mesmo quando é errado. Mesmo quando é desonesto. Inaceitável. Inaceitável.
O fato é que é assim, mesmo sendo inaceitável. Seu nome deve vir acompanhado de seu sobrenome, ninguém quer ter sobre si o manto da invisibilidade porque se não é possível dizer de onde veio, quem vai saber quem é você?
“Maestrina não é coisa de mulher”. Diretora não é coisa de mulher. Mas você não era fono? Isso não é coisa pra estrangeiro fazer. Estrangeiro não pode opinar. Qualquer pessoa não nascida aqui, é estrangeira. E assim, a TV continua como há 25 anos, assim continuamos sem mostrar conteúdo não chato, não vazio, assim cansamos de tentar abrir espaço.
O filme é absolutamente real e doloroso, embora massageie nosso orgulho. Se não for nessa geração, será na outra e se não na outra, ainda na outra. O tempo, a nossa insistência, pulso firme e inteligência farão frente à tradição de oportunidades permanentes para os mesmos.
Ser HOMEM. Homem. Um pênis e pronto. E se for um pênis com dinheiro então...
Uma vagina e você precisa saber qual é o seu lugar. Qual é seu lugar? Se a vagina tem dinheiro, ela é filha de família tradicional. Se não tiver é uma pessoa que precisa “aprender a ter humildade”, mesmo sabendo mais do que todos sobre um determinado assunto – eu já ouvi isso. “Se você sabe mais, deve ser humilde e fingir que não sabe, não demonstrar que sabe” ...
Bem, não fiz isso. Antonia Brico também não.
E você?
Filmaço.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Baseado numa história verídica. Excelentes atores. Filme obrigatório para mulheres destemidas - todas. Todas as mulheres se “perceberão” nesta personagem. A chama que vem de dentro e que precisamos seguir, custe o que custar. As dificuldades absurdas de aceitação dos outros que nada têm com isso. Opiniões, sugestões, pressões, comentários, maledicência. Oh, como nós mulheres estamos habituadas a ver isso na nossa vida, principalmente, como a personagem, quando entramos em mundos dominados pelos homens. A grande maioria dos homens sorriem e acham que isso é aceitar. Toleram e acham que isso é aceitar. Decidem qual lugar devemos ocupar e acham que isso é aceitar. E, ou não sabem o que fazem ou são maldosos, ao, em conjunto, construir um ambiente em que as mulheres se sintam desajustadas, menores, apenas ambiciosas, antissociais, etc. Anos, décadas, vidas, gerações. Juntas e com a ajuda dos homens que entendem a situação, necessitamos quebrar o feitiço. Não para parecer, como atualmente. Mas para ser de verdade. Pessoas escolhidas, com análise baseada na sua competência era capaz de ser interessante, para maestrinas e outras profissões catalogadas como masculinas.
Maestrinas, regentes. O que lhe quiserem chamar. Mulheres dirigindo orquestras parece ser uma afronta aos homens. Que engraçado! As mulheres, sustentam e lideram famílias de filhos e netos, uma vida inteira. Filhos e netos adultos cheios de importância na sociedade mas que baixam a cabeça para as ordens da matriarca. Mas maestrina/regente e mais algumas profissões, parece demais. Estranho. Mais estranho quando mulheres também concordam com tudo isso.
A estatística que o filme aponta é assustadora – até 2017 nenhuma mulher dirigia uma orquestra de forma continuada. Que loucura... Penso no orgulho que sinto por ter no meu país uma das maestrinas mais importantes do mundo – Joana Carneiro e desejo muito que ela possa continuar a ajudar a mudar tudo isto.
Mas tem mais. Tem problemas de adopção, problemas de educação, pobreza, estar desamparada e encontrar apoio em pessoas que sabem bem o que é isso. Tem mais e mais...
Tente ver o filme. Vai amar.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
Sinopse: Antonia Brico sonha em ser regente/maestrina, mas não é levada a sério por ser mulher.
Diretor: Maria Peters
Elenco: Christanne de Bruijn, Benjamin Wainwright, Scott Turner Schofield.
Link do IMDB
https://www.imdb.com/title/tt6932818/
Link do trailer