Não conhecia o filme. Foi aconselhado por um amigo durante uma boa conversa sobre educação. Desde logo tendo Catherine Deneuve no filme, é ponto a seu favor. Atriz com muitos anos de experiência, disponível para trabalhar com realizadores de vários países e com temáticas de diversidade. Uma Diva. Mas uma Diva que ajuda o cinema a enviar mensagens importantes para a sociedade.
O filme reforça a ideia de que quanto mais experiências difíceis você teve na vida, mais preparado você fica para resolução de problemas. Muitas pessoas vivem experiências horríveis na sua vida, na sua infância. As que conseguem retirar aprendizagens positivas dessas situações, são exemplos de vida porque aprendem os caminhos reais de salvação, não os caminhos que sonhamos fazer e que são mais adequados. Já sofreram o choque da realidade e aprenderam. São pessoas que podem ajudar as outras a enfrentar dificuldades, que têm uma experiência que pode ser partilhada.
No mundo de hoje onde os adultos cada vez trabalham mais horas e ficam menos tempo com os filhos, as crianças e jovens perdem o tempo em família e aprendem ao sabor do vento. Além disso, por que a família não consegue cumprir mais o papel de outros tempos, a escola virou tudo. Um lugar onde é necessário ensinar educação e dar formação. A sociedade espera isso, num momento onde as escolas viraram um local de avaliação de professores e onde esses mesmo professores perdem regalias essenciais para o seu rendimento profissional. Deve ser a profissão que mais trabalha fora do horário, que mais investe em formação, das que mais stress tem no ambiente de trabalho com pouco retorno emocional e financeiro. Médicos, engenheiros e advogados, por exemplo, têm um retorno financeiro e emocional muito superior aos professores. Isso ajuda a lidar melhor com o stress exigido e o profissional mantém a motivação e o foco sobre as suas funções. Quem quiser ler um pouco sobre Burnout, poderá entender melhor do que falo.
A quantidade de auxiliares de ação educativa nas escolas públicas, quando deveria aumentar, diminui por falta de recursos financeiros governamentais associados à educação pública. Também são colocadas pessoas nessas funções que não têm preparação, nem formação. Ficam 6 meses a um ano nessa função. Inacreditavelmente, quando estão se adaptando, terminam as funções e vem uma pessoa nova. De novo tudo se repete.
A economia é fundamental na família, num país e no mundo, mas antes da economia tem a educação e a saúde. Por que estamos desvirtuando tudo?
Deixar a ideia que uma pessoa que passa por experiências terríveis na sua vida, pode ser melhor professor do que as pessoas que fazem formação específica em ensino, em pedagogia, didática, psicologia, biologia, etc, durante 5 anos, me preocupa. Sei que existem experiências que podem completar e melhorar a formação e o trabalho dos professores. Precisam de aprender a lidar com seus preconceitos. Quem não precisa? Mas isso não chega. Cada vez chega menos. Como professora também me preocupa a mensagem dada de um professor, ou pedagogo, que cativa os alunos com recompensas financeiras. A realidade não é nada disso, nem os professores hoje em dia têm dinheiro para gastar fora do seu orçamento pessoal, nem devem, nem podem.
Fala de adoção, de amor, de cuidar, dos encontros que existem na vida e que dão certo, mesmo sem terem nome para catalogar. Melhor amor sem nome do que famílias que não amam nem cuidam.
Este filme também me faz lembrar dos alunos mais difíceis que tive, em 28 anos de ensino. A descoberta do caminho para a comunicação com esses alunos pode ser a treva ou como descer uma rua muito inclinada numa bicicleta sem travões. Mas durante esse esforço diário, quando acontece o clique, acontece magia. É isso que persegue o professor em cada dia. É quando eles entendem o professor e o professor os entende, quando todos se aceitam e baixam as defesas. Faz-se amigos de uma vida e é quando o professor abre as asas dos alunos e os incentiva a voar mais do que ele foi capaz. Isso faz evoluir um país, salva o mundo. Será que isso interessa?
Ana Santos, professora, jornalista
Dentro do nicho dos filmes inspiradores, Sementes Podres tem seu lugar. Tem um pouco de humor e drama, aponta a nossa metáfora de sobrevivência à violência de todas as formas, mostra como ligamos cada vez menos para a humanidade e dentro dela – bem dentro dela, as pessoas. E temos tantas pessoas a nomear: os miseráveis que não são refugiados de nenhum lugar, mas que continuam soltos pelas ruas; de fraldas e já de pés no chão aqui mesmo, na Piedade; ou refugiados com esse nome porque abandonados existem com muitos nomes, pelo mundo afora.
Kheiron ao ter assinado roteiro, direção e atuação talvez tenha deixado alguns detalhes em aberto no filme. O principal é que é crime “comprar” a presença dos alunos com qualquer dinheiro – ainda mais dinheiro falso, vindo da mão de um bandido que poderia ter matado todos aqueles garotos na vida real. Mas ainda assim, a ideia de que cada um de nós pode fazer alguma coisa, a mínima coisa é muito inspirador porque alguma coisa pode ser dar água e conversar 1 minuto com os operários que podam as árvores, que tapam os buracos, limpam os bueiros da sua rua. Alguma coisa é conversar com meninos desconhecidos, antes deles entrarem na escola, é se interessar em ensinar a faxineira a escrever melhor... alguma coisa é fazer algo além do que a maior parte faz porque não faz nada.
Só por isso, o filme vale. Ver Catherine Deneuve de novo, sem glamour nenhum e sendo a grande atriz que ela é, vale ver de novo. É uma ideia simples, fez parte de muitos filmes, mas continuamos precisando de pessoas que nos reciclem a cabeça para talvez vermos que podemos fazer mais do que reclamar.
Deveria ser passado nas escolas, tanto quanto o filme “Le Brio” e tantos outros – manter os olhos em si, mas não perder de vista seu objetivo deveria ser uma matéria obrigatória, num mundo onde bilhões de “Maria vai com as outras” consomem apenas imagens falsas da melhor comida, da melhor viagem, do melhor encontro. E enquanto isso, na vida real, a melhor comida esfria, a melhor viagem só tem fotos na porta dos lugares e não se vive o “lá dentro deles” e o melhor encontro não acontece porque a gente tem o foco nas selfies/cards e não na pessoa que estamos encontrando...
Viver significa viver. Isso deveria estar na escola. Pra isso serve o filme. Pra isso nasceu o Bug Latino. Pra isso talvez sirva você colocar o celular de lado um instante e procurar um ser vivo pra conversar.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro, TV
Informações sobre o filme