Faço parte da mesma geração que agora é cinquentona e fui ver o filme da Binoche por indicação de uma amiga. O que isso tem a ver com o que vi? Tudo. Nada. Depende do ponto de vista.
O filme é único, espetacular e imperdível. E enquanto a fita corria, algumas pessoas não conseguiam deixar de olhar seus celulares como a perguntar se ele seria capaz de uma traição. O que é trair? Todos têm em si o germe da mentira e da traição? O que fazer diante da traição quando você a sofre? E quando você a causa?
Meu Deus, não consegui tirar os olhos do filme. Uma pessoa atrás de mim, saiu comentando que o filme era lento – honestamente, me pareceu um filme de ação mental fortíssimo, com análises comportamentais imperdíveis, apelos emocionais, e principalmente interpretações de um fato de muitos pontos de vistas diferentes. Meu Deus, falo isso o dia inteiro: tudo em comunicação é ponto de vista; a verdade se esgota com o fato; o que você fala é uma escrita que será compreendida de tal ou qual forma, dependendo do espectador e de como ele se sente naquele momento.
E Juliette Binoche em um grande momento. Vilã ou vítima; farsante ou iludida; mentirosa ou desiludida. Sensual, erótica. Nada disso importa porque ela sofre em quaisquer interpretações. Sofremos ao assumirmos que é possível sermos “seres especiais by facebook”. E termos fotos do que imaginamos que somos para conquistar, seduzir, amar, viver... freia. Viver? Como é possível viver e ser estável como Ana Ribeiro, num perfil – com foto e amigos – de outra pessoa? Mais nova 27 anos, sem rugas. Outra pessoa. Mas com a minha emoção. Ficção? Bom... quantas pessoas fazem isso? E se alguém faz mal a um amigo, que mal há em mentir?
Que mal há, que mal há? Inveja boa, mentira boa, vingança boa. Quando nos escondemos numa rede social, até onde podemos ir?
Este é o filme. Até onde você vai? Até onde chegou? Quem você pensa que sou?
Sensacional.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Ser trocada por alguém, numa relação amorosa ou casamento é sempre uma situação extremamente dolorosa. Quando essa troca é feita por alguém muito mais novo a dor é mais profunda. Se a forma como essa troca é feita é deselegante, tudo piora mais ainda. Você corre riscos emocionais. Quem troca você parece esperar que você se desintegre, talvez como prova de uma troca bem feita. Você precisa se manter na realidade, à tona, nunca duvidando de você e procurando apoio em pessoas que te salvem dessa escuridão. Serão muito poucas. Talvez uma, talvez duas. Mas elas te vão ajudar a salvar a tua vida.
Neste caso a personagem fugiu para “a irrealidade das redes sociais”, para as fantasias, para a justiça com as próprias mãos. Quando você está em desequilíbrio, não convém fazer malabarismos. Você pode cair e partir algo em você e em sua volta.
E, redes sociais, misturadas com sofrimento de amor, com necessidade de ser desejada, com mágoa, com insegurança, fazem algumas pessoas perder o “norte”. Esquecer a sua vida terrena, seus filhos, suas rotinas. As redes sociais também vieram permitir, às pessoas que gostam de mentir, um espaço de manobra maior e de jogo onde navegam magistralmente. Elas já o fazem tão bem olhando nos nossos olhos, imaginem atrás de um computador ou celular/telemóvel.
O filme também aborda o lado humano do terapeuta. O que sente, como lida e o que aprende com cada paciente. É uma abordagem suave mas diferente e necessária. E alguns pacientes são provocadores mesmo. O filme mostra um pouco esse lado.
O filme mostra o que pode acontecer quando você vive em mentira ou do nada se inventa uma mentira. Você não consegue parar e se perde de você um dia... Você nunca saberá quem você é. E os que te rodeiam nunca mais confiam em você. Brincar com os outros na verdade é muito mais brincar com você. Pense em viver de verdade, com a verdade. Vale a pena.
Muito fofo o detalhe do nome fictício ser escolhido ao mexer num artigo sobre o grande escritor português, António Lobo Antunes. Adorei.
Todos os atores são maravilhosos e Juliette Binoche sensacional. Filmagens no Centre Georges Pompidou é uma ideia doce e merecedora, para um lugar que esteve sempre à frente do seu tempo.
Ana Santos, professora, jornalista
Site do Circuito Saladearte
Festival Varilux