Eu amo o trabalho de Dira Paes. Só de vê-la em qualquer filme, o coração se vê como parte de um país chamado Brasil, que tem esse talento selvagem e encantador. Num filme como PUREZA então...
É insuportável assistir a um filme onde sabemos tudo o que vai acontecer porque ele faz parte da nossa história. Do enredo do furto das carteiras de identidade, até o senador mau caráter, tudo é a rotina sabida de todos e isso não pode mais ser assim. Então, tudo começa com a gente, na hora de apertar o botãozinho sem favorecer o amigo do amigo, sem colocar o número do santinho de papel que achou na rua, em quem te deu uma camisa de futebol de várzea. Não existe motivo pra gente oferecer o nosso voto a ninguém em quem não acreditemos que pode ser um bom empregado nosso. Porque os presidentes, políticos, diretores são nossos empregados. E quem dá emprego à ladrão deveria ir pra cadeia junto com quem rouba.
Se não fosse uma personalidade como a da Pureza da vida real – e que Dira Paes revitalizou totalmente – o que teríamos? O nosso empregado do Ministério da Justiça não acredita na nossa palavra, mas não pede prova à autoridade porque afinal... porque afinal aqui é Brasil.
O filme não deveria ser óbvio. Acontece que pra nós, ele é. Lá na Dinamarca, Suíça ou Suécia, lá na Holanda ou na nova Zelândia, alguém vai falar que ele tem nós dramáticos intensos, que a escolha daquela brutalidade verbal foi “adequada”. Aqui, o estrondoso, o gritante e escandaloso é que eu só me surpreendi quando pensei que Pureza tinha morrido – afinal a vida real tem a nossa compaixão particular – aquela que os sem escrúpulos dos Governos não têm. Nunca têm.
Portanto, PUREZA deveria passar nas escolas - mas não vai passar porque ele passa nos jornais todos os dias. E quando a gente vê a vida real diante dos seus olhos, como se estivesse assistindo ao jornal das 8, o diretor foi bom.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um filme sobre trabalho escravo, exploração, corrupção, asfixia e invisibilidade social. Sobre a coragem do amor, sobre viver a vida de peito aberto em busca do que se defende e do que é justo. E, sobre as mulheres, as mães. Baseado numa história verídica, de um diretor experiente, também ele em busca do que é justo e expondo as doenças invisíveis da sociedade. A não perder.
Falta de conhecimento, de saber ler, escrever, fazer contas, falta de aliados (amigos, família, pessoas de confiança), de ligação afetiva com outras pessoas. Deixar de aparecer, de ser visto, de ter quem se preocupe com você. Sem dinheiro. Doente. Perigo, perigo, você está em perigo de situações de dependência, de exploração, de pessoas sem escrúpulos.
E, mesmo com conhecimentos, formação superior, quantas vezes trabalhou sem ser pago? Quantas vezes foi enganado? De quantos trabalhos ainda espera receber o dinheiro que foi prometido ou acordado ou até contratado? Em quantos trabalhos você trabalhou muito, muito, muito mais do que eram as suas funções e, pelo mesmo salário? E em quantos trabalhos fazer o que foi chamado para fazer é sempre pouco? Trabalhos em que, se você faz menos num dia em que esteja doente está sujeito a ser despedido, fazer o que foi contratado é pouco e o que esperam é sempre muito mais? Exigências laborais especiais que são impostas com promessa de horas extraordinárias ou aumento de salário e que nunca são cumpridas. E que de especiais, passam a comuns. Criar vínculo afetivo com as pessoas para elas não desistirem mesmo sendo desrespeitadas e exploradas.
As relações laborais, cuidados com o trabalhador, respeito pelo ser humano, pela sua vida familiar, pela sua necessidade de alimentação, descanso, limite de horas de trabalho para ser eficaz no que faz e para se manter saudável – física e mentalmente.
O filme aborda o que de mais terrível pode suceder a um trabalhador, mas não se iluda. Você precisa estar sempre atento para não cair na escorregadia caminhada do mundo do trabalho. Calar, engolir, nada ver, nada saber, em troca de pouco dinheiro. Se abre a boca e não permite ser explorado é despedido com a desculpa de que as pessoas não gostam de você, mesmo sendo extremamente competente.
Chorei quando vi Pureza tentando salvar quem a rodeia, mesmo ela estando no intenso desespero pessoal. Chorei no final porque nos dá um pouco de esperança, mas a abundante realidade nos mostra poucos casos destes. O nome desta MULHER é Pureza, mas poderia ser também Coragem, porque é nestas mulheres que podemos descansar e respirar para retomar a caminhada indescritível de ser mulher num mundo que diz que “aceita e respeita”, mas que nas suas costas se ri, fecha portas, portões, espalha boatos, desconsidera, te torna invisível se não fizeres o que querem. Obrigada a Renato Barbieri por este filme duro mas lindo. Um aviso para permanecermos sempre alerta e um estímulo para enfrentar o desconhecido do mundo do trabalho e sempre lutar pela liberdade e autonomia das mulheres. Gratas
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme:
Diretor: Renato Barbieri
Elenco: Dira Paes, Matheus Abreu, Mariana Nunes, ...
Sinopse: Nos anos 90, uma mãe procura seu filho desaparecido e encontra fazendas com práticas de trabalho escravo na região amazônica.