Primeiro, a trilha de um maestro genial chamado Burt Bacharach numa voz nova, diferente, muitas vezes parecendo meio infantil. É a primeira coisa, a cena 1 – Close to you e um funeral, que aparentemente é uma coisa totalmente nonsense. Mas é só diferente. Assim como tudo o que acontece no filme.
Atores tão naturais, interpretações tão orgânicas, tudo tão como é a vida que a gente fica impaciente. Impaciente porque a escola é cheia de “especialistas” que não veem que o Po é maltratado, sofre bulling de um menino idiota que todo mundo vê, mas o autista problemático é o Po, o pai do autista, que também é problemático e que por isso deve maltratar o autista é acusado, a burocracia do mundo é uma tortura, a ciranda ao redor de atendimento médico, outra. E o tempo vai passando e frases soltas do Po, que nunca fazem sentido, de repente iluminam a sua vida, a sua emoção – não vou dizer a sua ignorância porque muitas pessoas conseguem ver o autismo, transitar nesse mundo diferente – umas das coisas que eu mais gostei de fazer.
Emocionalmente, o filme é um épico. Você vê ali um herói que enfrenta tudo e decide seguir em frente quando todos fraquejam – até o pai do autista. Claro que de um jeito diferente. Claro que de um jeito autista. Mas um épico emocional assim mesmo.
Há uma frase que o Po repete o tempo inteiro: “Não tenha medo, papai”. E lá no final, na hora em que eu comecei a chorar e não consegui mais parar, vem a revelação do final da frase não dita inteira durante todo o filme – que eu não vou falar pra não estragar a ida de todos ao cinema, ok?
Filme com criança protagonista é INCRÍVEL ou é tipo hum, hum... Não tenham dúvidas em entrar no cinema porque certamente sairão de lá falando INCRÍVEL! Tema, desenvolvimento, o número de repetições, nossa impaciência, medo, medos – tantos... – e além de tudo, Close to you numa regravação super suave. Vai valer cada segundo, podem apostar!
Ana Ribeiro, diretora de cinema, televisão e teatro
Um filme muito bonito que faz pensar nas coisas menos comuns dentro de nós. Uma criança autista, com alguns comportamentos de Síndrome de Asperger. Vive o seu mundo da sua forma. Faz coisas diferentes, sente de forma muito intensa o que o rodeia, responde de forma diferente. Mas não faz mal às outras pessoas. Não faz “bullying”. Não sabe muitas vezes que palavras usar e por isso usa muitos gestos e agressões contra si próprio ou sem nexo para nós. Mas as palavras que usa têm muita importância, muito peso. São inteiras. Não tem o jeito social de fazer piadas depreciativas. De “gozar” com os outros. Não entende essas piadas porque vive de forma intensa, verdadeira e respeita os momentos e as pessoas. As palavras e as expressões têm o seu sentido útil e construtivo. Por isso, no final a surpresa do pai com o que ele foi capaz de fazer. Porque nós, os que nos achamos normais vivemos uma vida enfeitada, disfarçada, de faz de conta. Todos muito simpáticos e educados mas sem falar as verdades, sem viver os momentos como eles são. Pagamos caro tudo isso, mas insistimos em não aprender. E eles quando dizem alguma coisa, isso tem algum interesse e deve ser ouvido. Não são meras palavras.
Assistir à degradação do sistema escolar a cada instante pelo mundo fora, é algo que fere a alma dos educadores. Para resolver, colocam economistas e advogados, porque a educação tem de dar lucro e não pode criar problemas legais. Uau. O mesmo com a saúde. E um pai com capacidade para ser alguém que pode ajudar um país economicamente (neste caso em engenharia e design com aviões), decide abandonar tudo porque a escola não é capaz de o proteger, o seguro de saúde quer lá saber se o filho e ele precisam ou não. Quando os seguros de saúde só pensam em lucro e não na saúde e bem estar dos clientes; quando os países consideram que economistas e advogados sabem mais de educação do que os educadores que estudaram e têm experiência na área;...dá vontade de pedir um lenço grande como o da mãe do menino autista e ficar lá um pouco até reunirmos coragem de novo para mais um esforço...
Se o seu coração ainda é puro, corra para ver este filme. Se sente que seu coração já está ficando poluído...talvez não seja má ideia conhecer um pouco do mundo verdadeiro dos autistas. Aproveite este filme.
Ana Santos, professora e jornalista
Circuito Saladearte
Link com informações sobre o filme