Engraçado como, depois de vermos – em qualquer idade – uma animação de Disney, fica bem difícil se desapegar da construção da imagem das personagens, da construção da interpretação do texto para os atores. Levei uns bons minutos achando aquelas personagens em 3D mais pobres do que as de 2D (de muitos anos atrás). Mas foi o que senti.
Vi o primeiro PINOCCHIO em criança, li o livro uma vez só. Tinha imagens meio apagadas do texto em si. Lembrava da baleia, dos pés queimados, do nariz de mentiroso e de que, no final, Gepeto deixava de ter um boneco para ter uma criança. Nem tudo ocorreu igual. O espírito e a inspiração, sim.
De alguma forma, parece que se apagou da vida das pessoas que elas precisam ser aceitas pelo que são e não gastarem seus dias tentando agradar segmentos da sociedade. Parece simples, mas eu ter muitas formações diferentes no campo da comunicação, muito mais me atrapalha do que ajuda, por exemplo. Não que me desanime, mas muitas vezes creio mesmo que as pessoas não veem comunicação onde eu vejo e se confundem.
Em PINOCCHIO fica tudo tão claro, que inúmeros adultos devem ver para repensarem escolhas cômodas que não trazem prazer nenhum: “papai” ser político, médico ou advogado (são clássicas) e ser quase automático seguir a carreira dele e herdar tudo. Comodamente infeliz, mas acontece sem parar. Olhem ao redor. É como COVID – todo mundo conhece alguém.
Depois que você se acostuma que o Gepeto não usa óculos redondinho e mergulha no filme, a mensagem é importantíssima, portanto. Num momento onde todas as pessoas parecem querer ter a mesma fisionomia, feições e estruturas faciais; num momento onde inúmeras pessoas deixam a comida esfriar ou mesmo deixam de comer para postarem a melhor foto no Instagram; num momento onde muitos meninos, adolescentes e jovens deixam de querer viver porque não se sentem aceitos virtualmente, mais do que pessoalmente; num momento onde as redes sociais exploram e esvaziam o espírito de muitos de seus ídolos, que adoecem por perdas emocionais cada vez mais intensas, PINOCCHIO mostra didaticamente que não há outro meio de ser feliz nessa vida - o que serve para lutar contra a herança profissional do “papai”, tanto quanto para fazer uma cirurgia de resignação de sexo e se ver finalmente como é, dentro de sua emoção.
Portanto, muito mais do que os óculos do Gepeto, PINOCCHIO é inspirador e vale cada minuto. Talvez não ganhe um Oscar, mas pode mudar a sua vida – o que é um prêmio muito maior, não acha?
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
A imaginação de Guillermo Del Toro é tremendamente cativante e a sua capacidade técnica, de ação e talento de a colocar em prática é soberba.
Quem não conhece esta história? Todos no mundo sabemos que história é e todos ficamos maravilhados. Del Toro no leva de novo ao nosso mundo imaginado e sensorial de infância, e torna tudo possível. Nos dá esta prenda!
Talvez a história não seja exatamente a que aprendemos, talvez o Pinóquio tenha outro aspecto, mas está lá tudo. E ele tem umas expressões faciais inacreditavelmente expressivas e fofas. Somos recordados da possibilidade de salvação nos momentos mais terríveis da nossa vida através da imaginação, num momento tão necessário e que parecemos esquecer. A possibilidade de perguntar tudo, de ter dúvidas, de ver para além do óbvio. Os “Porquês” da vida são tão importantes... Pinocchio/Pinóquio o menino que é irrequieto, que é verdadeiro, que é puro, rebelde, questionador, que precisa que lhe expliquem as regras para ele entender e as cumprir – se realmente isso for bom para si e para a sua vida. Precisamos tanto de Pinóquios! Precisamos tanto acordar nossa criança, o nosso Pinocchio. As crianças, os jovens, as pessoas, estão/estamos a ficar mais lentos, mais tristes, mais desacreditados, menos esperançosos. Nada como um Pinóquio para arrebitar as vontades, as interrogações. Para não se ficar eternamente no mesmo lugar, sendo o mesmo, sem um pingo de alegria, sem um pingo de VIDA!
Estamos tão engolidos pelas hipocrisias e cinismos que ouvi-lo e vê-lo a seguir a pureza da vida, das palavras, da sinceridade e do amor, é estonteante. Que bom, que bom que lá longe, Guillermo Del Toro pensa como o Bug Latino e nos faz seguir, seguir, seguir. Que bom!
Um filme que deveria ser motivo de conversa em escolas, em universidades, em família.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Uma versão mais sombria do clássico conto de fadas infantil, onde um boneco de madeira se transforma em um menino vivo de verdade.
Direção: Guillermo Del Toro, Mark Gustafson.
Narração de: Ewan McGregor, David Bradley, Gregory Mann.
Trailer e informações:
Muito interessante a análise! Ainda não vi o filme mas me interessei por ele!