Se já imaginaram a cena social, Parasita fala sobre ela. Mas fala de uma maneira tão realista que não é espantoso ter algum tipo de reação física à tudo o que está ali – de vergonha a nojo – tudo pode acontecer dentro de você.
A falta de visão das camadas superiores deste todo social, além de causar uma espécie de “frenesi competitivo entre os invisíveis”, mostra ao mesmo tempo um tipo de pensamento raso, pobre e pouco dedicado a qualquer coisa que não seja o próprio interesse – seja de uma camada ou de outra. Talvez a maior diferença entre a Coreia e o Brasil seja mesmo o quesito pagar, já que nem para isso a nossa classe dominante serve – o Brasil quer mimos, mas paga mal por cada um deles, a menos que seja uma forma de “alimentar os bolsos” dos de sempre.
Parasita nos mostra, como numa vitrine, todas as torpezas, indignidades e sabotagens que são necessárias para sobreviver quando já se perdeu quase tudo – educação, higiene, privacidade; quando o que se quer é colocar a cabeça fora da lama e respirar – com todas as pessoas possíveis que se puder carregar. Mas mesmo ali, usufruindo de tudo o que o dinheiro compra e que, portanto, pode ser usurpado, resta o cheiro insuportável da pobreza – talvez a metáfora mais forte do filme. A ofensa do desprezo finalmente perceptível – a pobreza tem cheiro.
O nível de perplexidade diante de tudo o que o filme mostra talvez nos tire da acomodação que faz com que não queiramos ver coisas que estão bem na nossa frente: os índios estão sendo assassinados, há uma destruição da Amazônia que aumenta ano a ano, a desertificação do mundo é um fato, o aquecimento global é um fato, o radicalismo social/religioso é um fato. Há muitos fatos em curso; quem quer vê-los?
O filme mostra com total objetividade muitos fatos absolutamente permissivos e outras tantas vezes primitivos. Você sai do cinema precisando respirar um pouco, num silêncio pesado e culpado por coexistir humanamente com tantas pessoas que você sabe que agem assim e de tantas outras que sobrevivem assim – sim, porque há um limite entre viver e sobreviver.
É importante ir assistir. Certamente, cada uma das pessoas entra de uma forma e sai de outra e este é o verdadeiro poder do cinema, das artes em geral – entortar pontos de vista seguros e estupidamente confortáveis. Não há nada de confortável no filme e é exatamente isso o que deve ser visto e valorizado nele.
Para os que vivem com o “narizinho em pé”, evitando o cheiro do mundo e se achando o último biscoito do pacotinho, é obrigatório ir.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um filme fortíssimo. Muito impactante. Os povos do Oriente têm uma forma muito crua de expôr as “misérias” morais humanas. E este filme é impressionante nesse aspeto. Sem filtros em absoluto, mostra o ser humano no que ele tem de mais miserável. Impressionante.
O nível de promiscuidade, falta de higiene, falta de moral, de valores, de dignidade, a mentira como respiração, zero pensamento construtivo enquanto sociedade. Tudo isso e muito mais o espera no filme. É fundamental que possamos assistir a filmes como este para acordarmos, para entendermos que as possibilidades dos seres humanos são mesmo inacreditáveis. E nos cuidarmos, estarmos atentos. Principalmente os seres humanos ricos, milionários que pagam por tudo o que desejam. Porque parece, como um personagem comenta no filme, que os ricos são muito inocentes. Não na forma como ganham dinheiro. Mas na forma como gastam dinheiro, como confiam em outras pessoas para viverem uma vida que desejam. Eles pagam e por isso acham que pedindo ou criando regras, rotinas, tudo se passa perfeitamente e eficientemente. Mas enquanto os ricos estão viajando e trabalhando, a sua casa, a casa de praia ficam vazias? O barco, o veleiro, a moto de água, a moto 4, a piscina, ninguém lhes toca? A comida, a bebida, etc, etc, etc. Em países onde as pessoas que tratam das casas nada têm na sua casa? E não estranham a facilidade com que conseguem o jardineiro e o cozinheiro e a camareira e o motorista, etc? E até acham boa ideia que todos sejam da família porque se dão melhor? A disparidade de condições quando é muito grande, é muito difícil para quem nada tem, não ter vontade de ter algo dos que tudo têm. Podemos discordar, estranhar, censurar. Mas a realidade é crua. Se você não tem comida para dar aos seus 6 filhos que você decidiu ter para ter dinheiro da bolsa família (uns 70 reais/15 euros por mês) e se trabalha numa casa onde as pessoas nem reparam se têm 3 ou 5 kg de carne congelada no frízer/congelador, existe uma probabilidade grande de algo acontecer. E muitos “algo acontecer” surgirão. E os ricos só prestarão atenção, quando não tiverem dinheiro. Ou quando tudo for muito à descarada. Senão, todos ficarão muito felizes, os ricos achando-se espertos e os que nada têm, tentando e se viciando em tudo o que poderem. E, o mais extraordinário, é que com pessoas de confiança e até família não dão essa liberdade toda nem se deixam “abusar”. Era o que mais faltava. Nada de abusos. É mesmo extraordinário...
Ter o hábito de ter empregados para tratar da nossa vida, enquanto somos saudáveis, é algo muito questionável. Principalmente para quem nasce e vive em lugares onde aprende a fazer tudo, porque você aprende a ser “auto sustentável” - digamos assim. Você decide o que come, você escolhe, compra e cozinha o que come. Você pode cultivar o que vai comer – a perfeição da felicidade. Você limpa o que suja. Você obtêm o que produziu, procurou. Você trata de si. Você aprende a saber o que quer e a decidir sobre a sua vida. Você escolhe sua roupa, sua casa, seus amigos. Você tem privacidade. Muitas pessoas não toleram as redes sociais e depois têm pessoas que cuidam da sua cama, da sua roupa interior, da sua comida, de tudo que é intimo. Interessante...
Existem pessoas que não sabem cozinhar. Se ficarem doentes não sabem como se alimentar, o que fazer. Podem ser ricas, milionárias, famosas, mas não sabem tratar de si, muito menos dos outros. Muito louco.
Prepare-se para ver muitas coisas que nunca imaginou e que infelizmente fazem muito sentido, em cidades com densidade populacional muito acima do aconselhável.
O celular/telemóvel se tornando a arma mais poderosa e letal da vida de cada um. Se tornando um membro do nosso corpo, da nossa vida.
A necessidade de sobrevivência que pode tornar as pessoas parasitas, sem privacidade entre si como se fossem uma pessoa só, com objetivos obscuros e sem escrúpulos. E sem qualquer dúvida moral. Assustador.
A humilhação que os que não têm sentem a cada palavra, comentário, comportamento, vai sendo tolerada por hábito e esforço. Mas essas situações vão se repetindo, vão magoando e, para nós parece repentinamente, mas para a pessoa, é a gota de água, e aí acontece o impensável. A agressividade, o surto, a imoralidade, a destruição. E tudo pode se tornar uma loucura por causa de um cheiro, um nariz, dentes, mãos, sujeira, roupa, casa, forma de comer, um sotaque, etc, etc, etc.
Quem sempre perde na vida aprende que o melhor plano na vida é não ter planos.
É um filme tão desconcertante que o melhor é eu não falar muito mais e você não o perder. Um filme que deve ser visto sem “spoiler”. Mas que dá vontade de falar de tanta coisa do filme...dá...
Mais um grande filme para o Óscar de melhor filme estrangeiro em 2020. Mais um excelente filme para debates sociais.
Ana Santos, professora e jornalista
Informações sobre o filme:
https://www.imdb.com/title/tt6751668/
Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha
http://www.itaucinemas.com.br/filmes/
Circuito de Cinema - Saladearte: