Sem muita delonga, acho o filme obrigatório. Há alguma coisa estranha acontecendo e ela precisa parar. O mundo é um lugar onde cabem, sem apertos, todos os que aqui habitam. Há espaço e possibilidades. Mas agimos, pensamos e apontamos soluções que não nos preveem. E vamos abandonando pessoas, as deixamos cair pelos vãos sociais das mãos dos governos e depois “as pulamos” pelas ruas, fingindo que não existem, mas sabendo e sentindo que sim, que existem e ocupam espaços porque não podem ser desmaterializadas por mais que os governos tentem fazer isso, por mais que programas de TV as transformem na informação do “depois do almoço”, por mais que estejamos sendo anestesiados cotidianamente para não sentir, não defender, para ignorar, desprezar.
ONDE EU MORO é um documentário, não é uma ficção. Como as cidades apenas “perdem” o espaço que deveria ser compartilhado com todos? Como as cidades estão “aceitando” conviver com cada vez mais pessoas sem teto, sem abrigo? E como a falta de planejamento dos governos – palavra que me persegue, essa – PLANEJAMENTO – coloca cada vez mais pessoas na linha do desabrigo, na linha do não tenho nada?
Tomadas de cenas comuns como escovar os dentes, acabam apontando como isso pode ser feito de mil maneiras diferentes e como podem representar a última dignidade que não se pode perder, aquela que o orgulho e a autoestima se recusam a aceitar que vão. Um filme fácil de organizar a realização, mas dificílimo de estar presente para fazer. Dificílimo de ver e sentir o que deve ser filmado e principalmente, o que deixar para trás.
Nós vemos passar, o lar, a casa, o teto, o abrigo temporário, a saúde, o abandono, as doenças, a higiene, a falta de condições e de espaço, a falta de água quente, a falta de comida, a fala de higiene, a sujeira, a tristeza, a esperança – tudo isso passa em frente ao espectador, sem o alarde e o escândalo que vemos nas TVs, sem as frases repetitivas – passam como o trânsito das cidades onde eles estão e que os ignoram – talvez ignorem todos nós, afinal e esse seja o nosso medo ancestral.
As nossas “pequenas colônias familiares” – se falharmos em construir, ter, acumular - podem nos abandonar ou serem abandonadas. Os indígenas nada acumulam; eles apenas se cuidam, se preveem – quem são os mais ricos, afinal? Quem são os mais evoluídos?
Triste, terrível, cheio de contrastes diários que aqui no Brasil fazem parte da rotina – triste rotina.
ONDE EU MORO é obrigatório por isso – em poucos minutos ele se conta, nos reposiciona, enoja, por votarmos em nome do egoísmo, no bem individual, no desprezo ao outro, no não convívio humano, na guerra diária, no revólver como objeto comum, no incêndio da Amazônia, no caos urbano, no lixo pela rua, nos ratos – no que não podemos deixar para trás – as pessoas.
Eu levaria até os menores, os pequenos – temos que voltar a nos ver como parte da mesma sociedade ou ela vai nos engolir a todos.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e Tv
Este documentário é impressionante. Chocante. Obrigatório.
O mundo está do avesso. Nem sempre vemos isso. Até tentamos não ver. E quando vem um documentário destes, é um tapa na cara. Como é possível? Precisamos ver e fazer algo a respeito. Parece que as burocracias, formas de organizar, de definir direitos, para as pessoas com menos capacidade financeira estão obsoletas. Ultrapassadas. São, atualmente tremendamente injustas. Não podemos deixar que continue assim. E fazer um documentário é muito importante. Mas não chega. Deve ser visto pelo maior número de pessoas no mundo. Mas também não é suficiente. Chegará ao seu objetivo se mexer com a consciência dos que têm poder e os faça mudar a engrenagem.
O roteiro, as imagens, a trilha sonora, as perguntas, as respostas, fazem deste documentário, um dos mais impactantes e importantes dos últimos anos. Soberbo.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Histórias comoventes de moradores de rua dos Estados Unidos compõem este retrato cinematográfico sobre uma imensa e urgente crise humanitária.
Diretor: Pedro Kos, Jon Shenk
Teaser e informações: