Parece, no começo, mais um daqueles filmes mornos de Hollywood, mas não é. No primeiro terço do filme, Mr Harrigan (Donald Sutherland) – um velho homem que estava descobrindo os segredos de um celular, com um adolescente que lhe ia ler, em casa - diz talvez a frase mais próxima ao pesadelo em que vivemos:
- Tudo o que tem aqui é de graça, mas é claro que é uma amostra do que querem cobrar, no futuro. E quando o acesso às informações for cobrado? E quando acreditarmos em tudo o que está aqui e as pessoas começarem a mentir para nos confundir, como vamos nos defender?
E, num cenário que se bifurca em 2 linhas de drama, O TELEFONE DO SR HARRIGAN nos faz pensar sobre o futuro que daremos à internet, o uso político sórdido a qual estamos sendo submetidos, o consumo de informações falsas por pessoas - ou ignorantes, ou agressivamente prontas a atacarem às outras, com a desculpa de que foram enganadas por fake news ou a desinformação embutida em cada informação.
Mil controvérsias acontecerão – até comunicação pós-morte. O fato indiscutível, porém, é que ser e ter são postos em discussão mais uma vez, mas de uma maneira filosoficamente contemporânea – daí a novidade do filme. Falaremos com os nossos mortos? Que influência eles podem ter na vida dos vivos? Nós queremos mesmo misturar os dois mundos?
Porém, indiscutivelmente, teremos sempre perguntas sobre o outro lado que ainda morrem conosco. Questões que quando entregamos um celular para uma criança pequena, não nos preocupamos em nos fazer, mas que seria bom se nos fizéssemos. Os celulares ensinam habilidades humanas para as crianças ou apenas queremos nos livrar da tarefa de cuidar delas? O reino da TV, da “rainha dos baixinhos” vira Felipe Neto, tutorial do YouTube e a participação da família fica cada vez mais ilustrativa?
Um filme que cria muitas perguntas que ainda não sabemos responder – o problema é se estamos realmente preocupados em responder alguma coisa.
Vamos ficando com invasão de festa para matar adversários políticos, atentados terroristas disfarçados de ignorância, radicalismo profano, disfarçado de religião.
Vale cada minuto, se vocês não esperarem ver o “Rambo pulando da tela e dando tiro pra todo lado”.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Os filmes podem ser leves ou intensos, dependendo da forma como nos entregamos a eles e dependendo da vida que tivemos. Claro que existem filmes que tocam todas as pessoas, mas alguns, como este filme, tocarão a sensibilidade e vida interior de algumas. Das que se propuserem a isso. Se for uma dessas pessoas, este filme merece ser visto.
Uma história aparentemente banal, numa terra/ aldeia/ lugar pequeno, um menino dolorido pela morte da mãe. Um acaso, um caminho que se abre. Interessante como o filme nos mostra, discretamente, que não é só o acaso que muda a nossa vida, mas como nos dedicamos a esse acaso. Se cada criança e jovem pudessem ter a oportunidade que este menino teve, o mundo seria tão diferente! E este hábito de leitura em voz alta dos jovens para si e para os mais idosos tem tanto por explorar: ler para os avós, os pais, os irmãos, os amigos, os vizinhos. Três vezes por semana. Para quem podemos ler? Leia com alguém, depois troque e esse alguém pode ler para você. Se está muito velhinho, leia apenas você. A iliteracia pode ser combatida por todos, não precisa ser só combatida por projetos e projetos e apoios e ideias e coisas tão complexas que nunca têm início ou que se perdem no caminho.
Este filme toca em assuntos muito interessantes e importantes de forma simples. Como pequenas portas para abrir a vontade de os falar em família. Os relacionamentos entre crianças e jovens com os idosos, precisam se manter, se recuperar, se estimular. Temos tanto a aprender com os mais velhos e temos tanto a aprender com os mais novos. Um pai e um filho mergulhados na dor e com poucas palavras para amaciar os dias. A entrada dos celulares nas nossas vidas e como eles podem ser bons, ser maus e como a noção de realidade se alterou completamente. O amor que temos por pessoas que fazem parte das nossas vidas e que só nos damos conta quando se vão embora.
Aquilo em que acreditamos, aquilo que desejamos – bom ou mau – aquilo que pedimos ao universo. Que escolhas fazemos? As da vingança, ambição, inveja, poder? As do bem estar, de contribuir para um mundo melhor para todos? Lhe incomoda os risos de gozo dos que acham sua vida menor, você menor? Vai atrás desse jogo? Ou sai do jogo e vai fazer a sua vida fofa e simples, mas super honrada e tranquila – perfeita?
O que cada um faz com tudo isso?
O que acrescenta em quem somos e na nossa vida ver um filme? É só arte? Ou pode ser muito mais?
Bons temas para um domingo em família.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: O Sr. Harrigan está morto e seu amigo adolescente que trabalhava para ele guarda o celular do falecido no bolso pouco antes do enterro. O garoto deixa uma mensagem para seu amigo morto e surte quando ele receber uma resposta.
Diretor: John Lee Hancock
Elenco: Noah Adedjouma, Cyrus Arnold, Josie Axelson.
Trailer e informações: