
Embora seja um filme triste, tremendamente triste, com perdas o tempo inteiro, a beleza está no fato da diretora ter trabalhado no nosso "ressecamento" durante as 2 horas de projeção - que ninguém vê passar, eu garanto.
Muita ação. Muita. Nicole Kidman, numa contraposição a si mesma - diva em todas as premiações - mostra-se suja, acabada, feia, buscando motivos para ser menos agressiva, grosseira, egoísta e os encontrando dentro da sua própria brutalidade.
Pára gente, ela não é uma assassina em série - mas é uma policial como a gente vê poucas vezes, sem nenhum toque de vaidade, nem nenhuma mão discreta ajeitando o cabelo - que aliás estava horrível, seco também, juntamente com as unhas e os dentes.
Só pra gente ver essa desconstrução sensacional de Nicole Kidman já valia ir ao cinema. Mas o enredo, a forma como nós somos envolvidas por ele, a interpretação incrível do pequeno elenco ao redor da Nicole - e, principalmente, ela - valem demais à pena.
O final do filme só pode ser imaginado por quem entende perfeitamente o conceito de desapegar - é mesmo o abrir as mãos e deixar as coisas escorrerem, é ir resolvendo o que é possível - coisa que a maior parte do tempo, a maior parte das pessoas não consegue fazer porque têm apego ao que sentem, têm, são - contraditória e imperfeitamente humanos.
O filme acaba e sua sensação tem a ver com "dry" - sabe seco? Pois é, ficamos sentindo esse gosto seco na boca e buscando respostas pras nossas grandes escorregadas na vida. Mas paramos de fugir das imagens e explicações para essas escorregadas - outra grande qualidade da direção do filme - nos impede de fugir.
Outro filme incrível, imperdível, que quem não for vai perder.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, TV e teatro
Neste filme, a diretora Karyn Kusama dá uma aula de cinema. Ação, movimento, mudança de plano, sincronização das imagens com os sons e a música. Não existe uma cena com o mesmo plano com mais de 8 segundos. Uma aula de cinema inundada de neurociência. Grande parte das cenas com pouca luz, atores excelentes, que fazem cenas em conjunto com uma energia muito forte. Parece teatro, tamanha a energia e envolvimento que se sente nessas cenas. Assim como as vidas dos que nos cercam nos chegam aos pedaços, umas vezes sabemos algo de hoje, outras vezes sabemos coisas de uma parte do passado. Quanto mais sabemos melhor construímos o puzzle de cada um, melhor entendemos e aceitamos os outros.
Uma atriz consagrada que se entrega sem medo a personagens e filmes difíceis e sempre dá show – Nicole Kidman. Quem a viu em Dogville (2003), de Lars Von Trier, viu onde esta atriz é capaz de ir. E aqui de novo nos dando provas que procura, mergulha, enfrenta personagens difíceis com a mesma maestria.
A atriz que faz de filha de Kidman, é excelente. Que menina talentosa!
As decisões que tomamos na vida nem sempre são exemplares, nem sempre nos honram. A vergonha, a destruição da nossa vida e dos que fazem parte dela, as feridas à nossa volta, as nossas. Lidar e resolver tudo isso são as lutas de muitos de nós numa vida. Quando somos jovens e a vida parece fácil, perfeita e nós nos sentimos inquebráveis, são as horas em que mesmo com todo esse poder, precisamos encontrar uma calma, uma noção de que não seremos assim sempre, olhar à nossa volta e ver bons exemplos, ter noções de finitude na nossa educação. A vida parece um caminho em que a distração ou vaidade, nos fazem cair em buracos que podem levar uma vida para sair. Ou nunca sair...nesta vida. Grande filme.
Ana Santos, jornalista e professora
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt7137380/
Site Saladearte