Acho que desde sempre sou encantada com as palavras. Escolhi ser fono porque desde o rei, até o mendigo, todos falavam. Faço combinações estranhas com as palavras porque consigo vê-las e para o quê servem. O Bug nasceu porque as pessoas estão com menos palavras e a falta delas faz muita falta...
O gênio é o louco é um filme onde todas as pessoas podem ver as palavras - e mais do que isso – se emocionarem com o sentido da vida, a partir da importância que as pessoas podem ou não dar a elas.
Então, pela primeira vez, independentemente de concorrer ou não ao Oscar, O gênio e o louco, pra mim, ocupa o lugar das obras primas. Porque a gente pensa que é o lugar onde nós estamos que é indiferente às diferenças porque é onde nós sofremos. É onde as palavras não são honestas, onde as pessoas nos dão ombros, onde vemos portas fechadas quando o que mais tentamos fazer é o oposto. E aí, um filme, com atuações irretocáveis, com um texto perfeito, com uma única música como trilha – e que trilha – enche nosso coração de dor por todos e por tudo, pelo mundo deixar de ver a beleza pequena da evolução das palavras para querer inventar novas nomenclaturas praticamente inúteis na vida deste louco coletivo que nós somos. Louco e vaidoso coletivo que se deixa levar pelo desejo de nos vermos sozinhos no espelho.
Louco? Ou louco é muito diante da vaidade, sempre cega? Louco é muito, é demais diante da dor dos loucos – sempre verdadeira e “inanestesiável”. Sempre em busca do motivo da culpa que é ancestral em nós.
Ouso dizer que apenas para alguns poucos, O gênio e o louco é como um pedido para que as pessoas não percam a capacidade de somarem-se umas às outras e que parem (por favor parem) de substituir uma palavra por outra, uma fórmula por outra, desprezando as palavras. As existentes e aquelas que estamos criando, que ainda vão nascer. A forma exata do projeto é a receita exata do projeto insensível, mas obediente.
Quem quer mudar alguma coisa não perde tempo com “obediências”. O Bug é o rei das desobediências – aponta que as pessoas estão mais infelizes porque querem comprar modelos prontos de felicidade. Esquecendo que a felicidade é um estado de amor e que por isso é tão flexível. O Bug é a pulga atrás da orelha de quem perde tempo olhando “msg no zap”, ao invés de olhar nos olhos ou se olhar nos olhos pra saber onde estamos, em que momento o mundo parou e como o resgatamos de nós mesmos.
O gênio e o louco somos todos em algum momento porque o mundo racional é tão, tão chato, o charme estudado é tão, tão esperado, a falsa inteligência cheia de “quebras de paradigmas” é tão, tão decorada...
Sem palavras eu não existiria. Sem elas, a mágica do existir seria tão mais primitiva... falar do que sentem as pessoas, do que sentimos nós enquanto pessoas vivas – não aquelas que obedecem padrões, que têm comportamentos de rainha, sofrendo com prisões de ventre reais.
Um filme libertador porque mesmo na pior das prisões, são elas – as palavras – as únicas chaves dessa liberdade.
Vão chorar sem parar pra saírem do cinema renovadas, renomeadas, novas. IMPERDÍVEL.
Ana Ribeiro, diretora de TV, cinema e teatro
Um filme que fala de como foi feita a primeira edição do OED (The Oxford English Diccionary), no final do século XIX. Ai as palavras. Magia dançando dentro de nós buscando acordos entre elas para dizerem algo, para falarem de nós e do mundo. As mais importantes não são nada sem as menos importantes e por isso o que importa é o sentido que todas juntas têm. Elas destroem, elas constroem, elas salvam, elas matam. Ou nós... os que as usamos ou escolhemos.
Veja o filme para passar a olhar de outra forma para os grandes livros, grandes enciclopédias, dicionários. Para olhar de outra forma para as doenças mentais e para a amizade, para o perdão, para a humanidade. Para a verdade e para a justiça. A vida pode ser do jeito que for, mas você pode escolher se aceita ou se se mexe e faz alguma coisa. Porque amigos podem trabalhar durante 17 anos sem nunca se conhecerem, mas não deviam. Principalmente se estão a 60 minutos de uma viagem de trem/comboio. Porque a leitura e a escrita podem salvar a alma da pessoa e permitem a criação de um mundo fenomenal dentro de cada um. Porque o que fazemos pelos que dizemos que gostamos, demonstra o quanto gostamos. E porque quando consideramos algo injusto devemos fazer algo para ajudar a diminuir essa injustiça. Um filme arrebatador, sobre a vida de pessoas como nós, piores ou melhores, mas que correram atrás. Vamos também em busca? Bora.
Ana Santos, professora, jornalista
Site da Saladearte
Informações sobre o filme