Engraçado que cada um de nós tem um interesse profundo por alguma coisa: eu amo a palavra falada, presto atenção aos mínimos detalhes dela, minha profissão gira ao redor do que atores, advogados, jornalistas, políticos, professores falam. Ana Santos tem um “olho clínico” para gestos, afirmações ou negações do que é falado via postura corporal e mede cada detalhe. O “estranho Richard Jewell”, o diferente, que tomava o que seus superiores diziam como meta, o gordo, o rolha de poço, o super detalhista Richard Jewell também. Obsessivamente ligado a detalhes organizacionais, se fosse rico, bem posicionado, com um super emprego, corpo esbelto e segurança poderia ser CEO de uma multinacional. Mas como não era nada disso; era apenas o estranho Richard Jewell.
Como somos cruéis com o estranho... não perdoamos diferenças – vide negros, mulheres, gays, cegos, surdos, cadeirantes. Então eles podem salvar um grupo de pessoas de uma catástrofe sendo quem são? Com qual intenção? E o filme descamba para uma quantidade enorme de humilhações, ilações, mentiras e enganações que provaram não que o estranho era criminoso, mas que o nosso preconceito é infalivelmente desumano.
Interpretações exatas. Paul Walter Hauser numa construção cênica sem nenhum exagero. O filme vai mostrando como um relógio como um herói vai sendo desconstruído independente do que fez para que o FBI e a imprensa consigam expor seu vilão à nós. O mais incrível é que enquanto a polícia invadia, manipulava e mentia, o público, na sala do cinema, ria. Talvez tenha sido o que mais me agrediu, afinal. O diferente, o estranho ali exposto, sendo ridicularizado, humilhado, enganado e as pessoas achando engraçado.
Na saída eu me perguntava se as pessoas não estavam entendendo o que tinha acontecido no filme ou se preferiam não entender. E percebi a habilidade de sempre de Clint Eastwood de nos expor a nós mesmos, ao nosso grotesco, ao nosso “estranho eu interior” – amorfo, infelizmente.
Ana Ribeiro, diretora de teatro, cinema e TV
Paul Walter Hauser, o Richard Jewell no filme, é um ator sensacional. Sensacional. O filme também tem desempenhos maravilhosos de Sam Rockwell, a grande Kathy Bates e a inusitada Nina Arianda, mas Paul é mesmo sensacional.
O filme inicialmente é lento e até aborrecido. Clint Eastwood, um especialista do audiovisual, nos provoca essa sensação para depois nos fazer ficar com raiva, querer ajudar, chorar e, finalmente, ficar imensamente triste pelas coisas erradas que os seres humanos são capazes de fazer.
Meu estômago embolou quando vejo policiais do FBI, os mais conceituados, tentando não encontrar culpados mas construir fatos para culpar quem escolhem. Dá para acreditar? Parece algo recorrente. E em todo o mundo. Chocante.
Este senhor, Richard Jewell, lembra muitas pessoas que todos conhecemos na nossa vida. Pessoas comuns, simples, mas com uma curiosidade enorme e permanente. Que não têm graduação, nem mestrado, nem doutoramento, mas têm uma curiosidade enorme e aprendem em todos os momentos da sua vida. Muitas vezes gostam de áreas inusitadas e sabem muito. Muito mesmo. Muito mais do que imaginamos. Muito mais do que pessoas com graduação, acreditem. Impressionante.
Depois a sensação cada vez mais presente de que quando você quer muito ajudar os outros, fazer coisas boas e quer fazer mais do que é pedido, você vira um incómodo e a sociedade passa a te ver como alguém que precisa ser “abafado”. Que não pode ser muito visível. Triste e estranho. E ainda mais triste a sociedade não aceitar muito bem que pessoas que ocupam lugares discretos, subitamente possam ser heróis. Porque não podem? Quem tem o direito de decidir isso na vida das outras pessoas?
E quando o “sistema” decide que você é suspeito, meu Deus! É inacreditável ver que você deixa de ter o comando da sua vida, mesmo nas coisas mais básicas. Arrepiante. Tudo é analisado e que você precisaria ser perfeito, um robô, para numa vida ter apenas comportamentos certos e adequados à opinião alheia. E que tudo o que descobrirem diferente em você será catalogado como errado, desaconselhável, desajustado, pecado, crime, etc. Quem analisa pode ser errado e mau profissional, mas quem vira suspeito está tramado se não for perfeito.
Finalmente, um filme de novo carregado de nacionalismo e orgulho americano. Bem ao jeito de Clint Eastwood. Com a coragem de expor os erros de uma sociedade poderosa e defender e lutar pelos seres humanos honestos que amam a pátria e a defendem acima de tudo.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt3513548/
Circuito de Cinema Saladearte