Não há muitas palavras para a força de um filme, principalmente quando a sua explosão parte de silêncios eloquentes. Também é necessário um enorme mergulho para penetrar em personagens que gritam ao camuflarem seus sentidos, seus sentimentos, suas dores e perdas terríveis.
Em NUNCA DEIXE DE LEMBRAR, a construção das personagens é detalhada e primorosa. A luz do filme é extremamente controlada e por isso, uma janela que se abre, o vento batendo numa veneziana, causam efeitos extremos no espectador – que está ali para sentir ódio em sua impotência, perceber a maldade, ver o que causam as guerras, as opções pelo uso da força, as mortes, as dores – e depois de muitas horas, porque o filme é longo - perceber que mesmo sob humilhação, o talento brilha, o amor aproxima, cola, ampara.
Roteiro primoroso; cada detalhe é acompanhado. Quem conhece Ewald Hackler, haverá de reconhecer a riqueza de detalhes, a busca da recriação de costumes, de gestos, de olhares. Nos olhos há amor e desespero, nas mãos, os gestos têm sentido, tudo fundamenta o detalhe que vem a seguir. Até o pintor que dá vida aos desenhos é primoroso, objetivo, delicado e Tom Schilling nos convence que é um pintor raro, por ser um ator raro.
Não poderia deixar de citar o poder estruturante de Sebastian Koch na construção do vilão e da delicadeza de Paula Beer numa obra a se ver para pensar, se reposicionar, ir em busca do que seu talento pede, sem medo.
Numa semana onde o Bug Latino esteve cercado de gigantes da pintura, aqui na Bahia, coroá-lo com esse filme é entender o que move o artista, seu pensamento fulminante, sua busca pela comunicação de si mesmo e seus segredos, sendo de alguma forma compreensível, palpável aos olhos de todos.
NUNCA DEIXE DE LEMBRAR causa dor. Extrema, eu diria. Mas olhando este Brasil onde, por qualquer motivo, alguém se sente no direito de puxar uma arma e atirar em alguém, este é também um filme necessário. Porque os nazistas mataram, torturaram, esterilizaram, cometeram toda a sorte de crimes – mas nunca foram capazes de olharem para si mesmos e, criticamente verem quem são – e são monstros. Colocar o termo “arminha” ou “rachadinha” não diminui – e não podemos permitir que essa diminuição jamais seja feita - cada crime, cada violência, cada abandono à própria sorte, diante de uma pandemia.
NUNCA DEIXE DE LEMBRAR é um filme de época – mas depois da tentativa de assassinato de Cristina Kirchner, nada é mais atual.
NUNCA DEIXE DE LEMBRAR significa que NINGUÉM PODE ESQUECER. Os perseguidos políticos, os presos, Caetano e Gil expulsos do Brasil, Gabeira, Brizola, Stuart Angel morto com a boca colada num escapamento de Jeep do exército, unhas arrancadas, ratos inseridos por tubos nos ânus de estudantes, médicos, bancários, pessoas, pessoas, pessoas comuns, de todas as classes - porque acreditamos que existe alguém, além de nós mesmos, que pode responder ao que sonhamos e que nos faça confundir o que é oportunidade, de corrupção de si mesmo.
Um filme perfeito, num momento mais perfeito ainda. Imperdível por todos os motivos.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um elenco de luxo. Atores alemães com um nível incrível, desde Cai Cohrs a Tom Schilling. Beleza, charme, doçura, intensidade. Corpos bonitos e normais. Os olhares, as expressões faciais valorizadas com toda a sua intensidade. Belo!!! Uma direção competente, emocionante, tremendamente inquietante.
Um filme baseado na história e obra do pintor alemão Gerhard Richter. Longo mas estimulante, questionador, incómodo. A vida do personagem, Kurt Barnert, é dura, num período terrível da Alemanha. Acompanhamos alguns momentos importantes da sua trajetória, desde menino bem novo. Um pintor, um artista. Curioso como voltamos ao mesmo: o que a pessoa busca na vida acontece, cedo ou tarde, acontece. Não adianta muito as outras pessoas impedirem. Ninguém pode nada contra a vontade da arte, do amor, da verdade. Em determinado momento, um dos seus professores – o mais contundente – lhe pergunta quem é ele? E essa pergunta fica no espetador – quem sou eu? Eu sou o que mostro, o que vivo, o que penso? Ou ainda não fui capaz de ser realmente quem eu vim para ser e sou quem aprendi a ser, quem devo ser? São coisas muito diferentes e fazem muita diferença na nossa vida. O artista Kurt Barnert sofre, passa dificuldades, mas ele quer ser quem ele realmente é. Em determinado momento precisa “matar”/”queimar” quem ele aprendeu a ser, para que o seu verdadeiro “eu, eu, eu” nasça. Brutal!!!
A relação de Kurt Barnert com a esposa é também algo muito bonito, muito belo, doce, verdadeiro. A vida em toda a sua pureza.
Tente não perder este filme e se ama arte, é mesmo imperdível.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: O artista alemão Kurt Barnert escapou da Alemanha Oriental e agora vive na Alemanha Ocidental, mas é atormentado por sua infância sob os nazistas.
Diretor: Florian Henckel von Donnersmarck
Elenco: Tom Schilling, Sebastian Koch, Paula Beer, Cai Cohrs...
Link com trailer e informações: