É preciso repetir que o nível de qualidade de imagens deste documentário desequilibra a maioria dos filmes que vi. Quem já esteve em Portugal ainda tem o impacto visual da beleza do que foi escolhido para ser filmado, numa produção impecável em todos os sentidos. Portanto, não há nada a dizer sobre a qualidade do filme – apenas que o Brasil já deveria estar se pensando de alguma forma, embora às vezes tenhamos a nítida impressão de que se faz um enorme esforço para que ninguém se lembre de pensar em nada por aqui.
Portugal e Brasil vivem momentos que se tornam cada vez mais diferentes. O tamanho e as riquezas do Brasil permitem experiências de todo tipo – inclusive as péssimas. Enquanto a população de Portugal cresce a passos de tartaruga, aqui nos destruímos em passos de gigante.
Há uma questão global que envolve pessoas e ambiente num mesmo problema de sobrevivência e os dois países parecem olhar para cantos diferentes de pontos de vista possíveis para analisar o mesmo problema. Assim é que, enquanto Portugal se preocupa em criar espaços de vida, incluindo o interior como alternativa, sem filme e sem perspectiva, o Brasil se fecha numa espécie de negação narcisista, onde só o que ele vê de si faz sentido. Aquela coisa de crítica construtiva acabou – você faz a crítica, discorda e leva com uma carga de agressividade por cima.
Portugal ainda não descobriu exatamente a sua melhor resposta para voltar a crescer demograficamente, mas certamente já entendeu que sua resposta está nas pessoas – pelo menos em teoria. Aqui no Brasil e aí em Portugal, vivemos o mesmo trauma – não somos, não temos e nunca vivemos em um espaço de igualdades de oportunidades.
De modos diferentes - muito diferentes - procuramos por respostas. Aqui, há crianças, mas não há educação e saúde de boa qualidade, embora paguemos uma carga enorme de impostos. Impostos suíços, imaginem, para praticamente o mínimo possível. Criou-se aqui, como consequência, uma descarada discriminação contra pobres. Qualquer tipo de raça, religião ou diferença é aceitável, dependendo do “recheio da carteira” ou do ano do carro.
Em Portugal, se olha o horizonte, em busca dos que já foram. Poderiam voltar? Trazer filhos, netos, uma nova geração de contribuintes? E aí as linhas se encontram: afinal, como o Estado poderá sobreviver, se não houver quem contribua com sua manutenção? Um dilema difícil de responder, num mundo que, apesar de globalizado, guarda preconceitos cada vez mais vivos, visíveis e demonstráveis. A Europa envelhece, Portugal rapidamente se junta aos Países com menor número de crianças e não sabe como vai pagar as aposentadorias das pessoas. No Brasil, onde ninguém quer abrir mão de nenhum dos privilégios que conseguiu, onde ninguém quer prever ninguém, uma reforma administrativa parece ultrajante para os privilegiados. Só que não.
De alguma maneira Portugal e Brasil poderiam se olhar e afinal se re-conhecerem. Afinal, nem acho que chegamos a nos conhecer. Somos irmãos magoados aqui, para que em Portugal tenhamos irmãos desconfiados de nós. E todos estamos certos.
O fato é que o documentário, embora não fale nada do Brasil, nos coloca como um povo que deveria aprender a antecipar problemas – vivemos de soluço em soluço – para não sofrer de novo e de novo – em doses maciças de estupidez, ignorância e essa “esperteza” exasperante que colocamos no lugar da nossa enorme criatividade.
Portugal torce para que os portugueses voltem e tentam imaginar como atrair pessoas para lugares fantasmas. Nós metemos fogo em tudo e onças, jacarés e outras tantas espécies sobrevivem graças à criatividade de nossos tratamentos. Mas os indígenas muitas vezes me parecem ser os fantasmas que nos assombrarão, quando as florestas acabarem.
O Brasil precisa descobrir o Brasil, finalmente? Portugal conseguirá procriar-se?
Nos dois casos: a resposta somos nós e nós somos o povo.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro, TV
Assistimos primeiro aos 2 episódios de “Nós, Portugueses – Partir Para Não Chegar” porque não sabíamos que existiam estes dois episódios. Teria tido mais lógica fazer as críticas com ordem cronológica, por isso peço desculpa, mas foi assim que ocorreu.
Sempre uma edição e imagens sensacionais. Lugares escolhidos a dedo de um país que é lindo de morrer. Querido e saudoso Portugal!
Um país tão pequeno e tão estreito, fica tão triste e estranho que tenha graves problemas no seu “interior”. Incrível quando comparado com um país como o Brasil onde não ouço quase se falar em interior, nesse sentido menor e indelicado. Penso que precisamos mudar a nossa forma de olhar para o nosso país e para nós e, principalmente, buscar soluções, tentar soluções. Somos muito bons a avaliar, a diagnosticar e ficamos com medo de preparar o futuro, de intervir no que pode ser o nosso futuro. Mas é aí que está a solução. Olhar para o que ainda não aconteceu e provocar o que vai acontecer, apontando para o bom, positivo, saudável, justo, equitativo. Para todos afinal. Mas Portugal não olha igualmente para todos e isso tem sido um enorme erro e injustiça. Uma silenciosa injustiça que construiu problemas profundos. Precisamos de fazer roturas totais com grandes vícios instalados. Os mais ricos cada vez mais ricos. O poder político refém dos poderes econômicos. O povo como um número de pessoas que precisa contribuir. Os mais velhos sempre olhados e pensados como um problema. Não ter coragem de ter ideias próprias em vez de andar a copiar os outros países, sistemas ou culturas. Ter medo de mudar, ter medo de fazer diferente, inovar.
Precisamos resolver. Resolver. Não ficar a explicar o que aconteceu e porque aconteceu e dar soluções bizarras e injustas. Chega disso. Se não é isso, é a postura do ser humano que nunca perde ou do que nunca tem culpa: encontrar razões e problemas no ar, no vento, nos outros, nas circunstâncias. Chega disso também. É hora de olhar para problemas diferentes e solucionar de forma diferente, mas solucionar pensando em todos. E nunca prejudicando os mais desfavorecidos. Nunca. Ouço especialistas em demografia, em sociologia, em, em, em, ...mas todos veiculados à economia. A grande imperadora que todos destrói. Deveriam ouvir também gestores de pessoas de organizações que têm como finalidade o bem estar e a saúde das pessoas. Especialistas que trabalham com foco e objetivo econômico não vão dar soluções adequadas. Nunca.
Fico triste por perceber que somos e continuaremos a ser um país que apenas se prepara para os turistas e para que os estrangeiros vivam em Portugal. Mas para tratar bem os portugueses que vivem com dificuldades, isso nunca é prioritário. Parecemos uma instância de férias ou uma casa de montanha ou de férias do mundo. Porque não somos as duas então? Ai meu Portugal...
Ana Santos, professora, jornalista