Eu não sou fã de filme de guerra, mas reconheço que pra fazer uma boa história dentro do tema, o diretor precisa ter extrema habilidade em conduzir uma multidão de pessoas, efeitos, técnicas. E Edward Berger escreveu e dirigiu um filme impecável.
Dentro das inúmeras coisas esperadas, como violência e sangue (muito sangue), chama muito a atenção que o diretor aponte fixamente para a diferença de significado de viver uma guerra para as altas patentes e esferas políticas, e os soldados – que são enganados pela “verve”, a oratória – e palavras tenebrosamente conhecidas dos brasileiros como Pátria, patriota, honra. E enquanto os altos cargos falam disso jantando e reclamando dos salgadinhos, os soldados comem qualquer coisa – qualquer coisa mesmo.
Depois de termos passado pelo 8 de janeiro, só essa relação de pensamento já lhe valeria um Oscar brasileiro, mas a engenharia do filme, a fotografia, figurinos, maquiagem, atuação e sobretudo a estruturação das cenas de combate são excepcionais.
Mais atuações perfeitas como a de Feliz Kammerer, que logo nas primeiras cenas dá o tom de como a palavra pode entusiasmar os mais ingênuos para em seguida tripudiar do mesmo soldado. Espera-se o cenário da guerra mudar de convocação para combate e o tom de voz, a escolha das palavras – tudo muda.
Nesse cenário político como o de Brasília – ladino, sonso, podendo-se afirmar sem medo de errar – falso – o filme deveria ser obrigatório. Entender como as pessoas são usadas na política pelo mundo afora é o ponto de partida para que as pessoas não caiam tão facilmente no conto do vigário do “eu contra eles” – eles são inimigos mortais comendo faisão ou gastando milhões para dar “comida às emas “– que, aliás, foram abandonadas e morreram. Nós? Nós comemos menos que as emas, muitas vezes.
Tem cenas fortes, mas todas elas necessárias.
Mereceu cada um dos prêmios que ganhou. E olha que eu não sou mesmo fã de filme de guerra.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Com a “invasão” da Ucrânia pela Rússia sem final bom à vista, este filme dá calafrios. Anos numa guerra de trincheiras sem avanços e sem nenhum lado ceder, sem nenhum sentido, nenhum interesse construtivo. Mortes e mais mortes – 17 milhões – vidas destruídas, traumas, mágoas. Jovens plenos de energia entregam seu tempo e sonhos ao seu país, cheios de ideias poéticas. E é só chegar junto das trincheiras e levar um enorme sopapo de realidade crua, desumana e desesperante. A realidade sempre nos deixa chocados, mais ainda numa guerra. E cola em nós a angústia de quem combate, no meio da mais profunda tristeza, do vazio intelectual e emocional, do frio, da sujeira, da falta de comida, da falta de condições de saúde, da falta de sentido. Ao mesmo tempo os líderes vivem em lugares luxuosos, preocupados se a comida é fresca ou do dia anterior. E por último, as famílias que vão vivendo por entre a guerra e os familiares que enviam comida, que pedem dinheiro, que também sofrem. O ser humano sabe que as guerras não são boas para ninguém mas insiste. Ter poder, ter razão causa muita mossa, muito caos. Tem algo na forma como nos educamos que está muito errada e precisamos olhar de frente para isso e olhar de frente para a urgência em resolver, em dar fim a esta forma absurda de nos enfrentarmos e de acharmos que vamos resolver alguma coisa dessa forma.
Excelentes atores, percebe-se uma logística e organização monstruosas para realizar um filme como este. E com toda a certeza um brutal orçamento.
Um filme importante para nos manter com os pés no chão, para nos lembrar da sorte de vivermos em democracia e em liberdade e nos lembrar de lutar sempre para manter tudo isso.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: As terríveis experiências e angústias de um jovem soldado alemão na frente ocidental durante a Primeira Guerra Mundial.
Direção: Edward Berger
Elenco: Felix Kammerer, Albrecht Schuch, Aaron Hilmer.
Trailer e informações: