O pior da guerra é alguém, do futuro, conseguir fazer com que o espectador sinta o vazio que existe nela quase 70 anos depois. O vazio da espera, o vazio do tempo, a lacuna oca das emoções omitidas, suprimidas, a espera, a esperança e a desesperança baseadas no próprio medo.
Cada pessoa verá os passos arrastados desse filme com sua dor e o que conseguiu reunir de suas memórias alimentadas pelos livros de história. E os passos são lentos como o sofrimento, muito mais do que as atrocidades que os documentários que vimos mostraram. As cores esmaecidas, cinzas, a ausência de sorrisos, as vozes controladamente calmas. Que emoções sobram, quando a pessoa está numa guerra?
Há uma estranha beleza na tristeza da escritora Marguerite Duras (Melanie Thierry), em “Memórias da dor”. E a tristeza de cada personagem é devastadora - comparado ao século XXI, num mundo que se anestesia por cada pequena frustração é uma reapresentação e tanto: tristeza não é depressão, desespero é diferente de frustração.
Um filme como esse faz com que a gente questione novos valores como a selfie. O que realmente precisamos guardar do mundo e das pessoas? Diante de tudo o que já se viveu no mundo, olhar o passado com sentimentos tão próximos, tão íntimos de cada um de nós é duro, é sério, é imperdível.
Planos incríveis onde vemos a atriz principal assistindo a si mesma e à sua emoção. Ver imaginação, emoção e realidade convivendo na mesma cena. Ficar em dúvida de quando a morte ocorreu, já que ela foi vivida em muitos tempos mentais e emocionais diferentes entre si.
Você acaba o filme seca, como as dores secam, o sofrimento seca. É uma dor que o cinema devolve de uma maneira incrível.
Imperdível.
Ana Ribeiro, diretora de TV, cinema e teatro
Uma das grandes escritoras do seu tempo, a “francesa “Marguerite Duras, nasceu e viveu até aos 18 anos no Vietname. Quem não leu ou viu o filme “O amante” ou “Hiroshima, meu amor”, não perca. Marguerite comentou numa entrevista que a vida dela ficou sempre atravessada de nostalgia pelo fato de nunca ter voltado ao lugar onde nasceu e de se sentir sem país natal. E afirmava que a única pátria é a palavra.
Considerada uma escritora mais cinematográfica é doce saber que o seu Duras, vem do nome de um lugar em França, chamado Duras, onde o pai comprou uma casa para viver com mulher e filhos ainda pequenos, mas morreu pouco depois da compra. Marguerite quando se tornou escritora escolheu para seu pseudónimo Duras.
Os temas mais constantes das suas obras: medo da morte, a busca de uma razão para viver, o desespero, a revolta, aparecem fortemente neste filme. E são descritos, narrados, profundamente e sem filtro. Uma forma de falar do holocausto, muito pessoal, corajosa e destemida. Foi sempre acusada de escrever do que não se deve, do outro que é escondido socialmente, dos que não são visíveis. Ainda bem que o fez. Os seus testemunhos sobre o holocausto são importantes para que todos possamos impedir que se repitam. Para termos uma pequena noção do que foi vivido e dos limites monstruosos que foram ultrapassados. Para não esconder e não esquecer. É preciso saber para se respeitar e prevenir o nível de sofrimento que milhões de pessoas viveram.
A sua forma de escrever, sua sobrevivência humana através da escrita e a plena sinceridade de que vivia escrevendo, vivia para escrever e vivia por que escrevia, está muito bem explícito no filme e é muito belo de assistir.
O filme deixa bem a angústia de nada saber, de não saber, do vazio, de duvidarmos das notícias por que mudam a toda a hora, de termos de estar sempre esperançosos no futuro, de viver o dia de hoje mesmo se o futuro parecer escuro, de nunca desistir.
De novo, Paris histórica. A charmosa.
De novo excelentes e belos atores. Talentosos. E a atriz que faz de Marguerite? Sen.sa.cional
Deixo uma crítica. Sei que nessa época se fumava muito, mas é preciso ter os atores a fumar em todas as cenas? Em todas?
Ana Santos, professora, jornalista
Site de informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt6313378/
Circuito Saladearte