Mais um filme visivelmente assinado por Almodóvar, com uma mistura e complexidade de temas que, à priori, podem parecer impossíveis de combinar e resolver. Mas são. Coisas como, num país latino, dar vez à mulher independente que têm relações e assume totalmente suas consequências, descartando a participação do homem, passando pelo acaso que liga vidas humanas (como um hospital público na hora do parto) e possíveis consequências (como uma troca de bebês), para chegar a uma discussão importantíssima (que o Brasil não teve) acerca de seus mortos, perseguidos e torturados políticos, no curso de sucessivas gerações sem respostas.
Num momento histórico como este, de uma guerra incompreensível entre Putin e seus asseclas contra uma Ucrânia cada vez mais respeitada pelo orgulho e heroísmo, uma coisa é certa: Precisamos falar sobre nossas raízes, saber de onde viemos e principalmente que plano vamos exigir dos políticos para o nosso futuro – num momento onde todos estamos exaustos de roubalheiras e notícias de morte. Quinhentas pessoas mortas diariamente por COVID no Brasil parecem pouco e Petrópolis, sul da Bahia, Minas e São Paulo abandonados depois da chuva é um mal necessário para que a Ucrânia brilhe nas telas com exclusividade.
De mil maneiras diferentes MÃES PARALELAS pergunta de onde viemos, qual é a nossa raiz, será que a ignorância nos está fazendo perdê-la para a vida anestesiante e sem sentido que levamos? Quais são os nossos valores, sabemos que o mundo vem evoluindo e precisamos rever nossos preconceitos porque afinal ser feliz é mais importante, assumimos quem somos, procuramos a verdade de quem somos, temos a coragem de procurar nossa história e, sobretudo, revelá-la, mesmo quando sabemos que vamos perder algo que amamos?
Como tudo isso pode caber em menos de 2 horas de filme e como não fazer brilhar um homem fora de seu tempo, fora de padrão como Almodóvar?
Todas as personagens ao redor de Penélope dão show – até os bebês. O que dizer além de vejam, por favor, mas vejam para discutirem o que estamos fazendo de nós mesmos, o que estamos aceitando sem análise porque há agora a categoria “seguidores-zumbis” – que são cegos, infinitamente inseguros e incapazes de se colocar socialmente com maturidade.
Diante de Artur de Val e seus homens histéricos, justificando aos gritos o que é injustificável, se pergunte: quem nós somos? Qual é a nossa história? Para onde iremos se insistirmos em não enfrentar a nossa verdade enquanto povo?
Almodóvar me alfinetou por todos os lados e este é o papel de um grande artista – alfinetar, movimentar. Por que ele me chacoalhou muito mais do que os artistas brasileiros?
Viva o casal de velhos ucranianos que “tocou pra fora” do seu quintal os soldados russos. Eles sabem muito bem de onde vêm e o que estão fazendo no mundo.
E nós?
Assistam, não percam e se perguntem: de onde viemos? Qual é a nossa raiz nessa vida, afinal?
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Almodóvar. Um senhor! Almodóvar me fez sempre sentir orgulho de viver na sua época, de ter nascido no país vizinho do seu, de poder acompanhar o seu percurso e ver como alguém pode ficar cada vez mais bondoso. Como dizemos em Portugal em relação ao Vinho do Porto – quanto mais velho, melhor! Um homem extremamente sofrido que se tornou famoso mas sempre centrado no seu caminho e centrado em deixar um legado de coisas boas para a humanidade.
Mais um filme dele sobre a realidade. É preciso bastante coragem para fazer um filme assim. Aborda vários temas importantíssimos. Sem dar muito spoiler, aborda a maternidade, o estupro, a forma como muitos homens lidam com a paternidade, as novas famílias. E aborda um tema nunca falado, muito sensível, muito importante e muito presente na vida dos espanhóis – o silêncio sobre os mortos e desaparecidos na Guerra Civil Espanhola e no Franquismo.
Um filme terno mas difícil. Um filme obrigatório. Uma trilha sonora com muita personalidade, presente, incómoda como a história.
Os costumes culturais de Espanha tratados e expostos com muita doçura, amor e maturidade. Os amorosos e históricos “pueblos”, as casas, as ruas, as comidas. Uma conversa acompanhada com um bom vinho e um presunto espanhol. Uma tortilha espanhola ao almoço. Doces típicos para receber amigos em casa. Cada esquina em Espanha é um mundo de história, de gastronomia, de cultura. Uma forma poética de divulgar seu lindo país.
Penélope Cruz, mais uma vez sensacional. Milena Smit, uma atriz incrível, linda, mantendo seus dentes, porque cada um tem a sua beleza, não precisa de ficar igual aos outros e despersonalizado. Imagens inundadas de cores, sempre as cores, agora menos vivas, mas igualmente lindas, marcantes – nos sofás, nos armários, em tudo. Que maravilha!!! Quando será o próximo filme de Almodóvar? Ansiosa por ver...
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: A história de duas mães que dão à luz no mesmo dia.
Diretor: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Milena Smit, Israel Elejalde
Informações e trailer do filme:
https://www.imdb.com/title/tt12618926/