Um filme é feito e, caprichosamente, muitas vezes se torna imortal por causa de uma cena apenas. Este filme, Judy, poderia ter essa definição por causa da última, que foi uma explosão emocionante de amor. Mas seria tremendamente injusto. Renée Zellweger tomou conta do corpo, da vida e do espírito de Judy Garland numa história onde a crueldade é capaz de conter uma pessoa e sua vida, explorando seu talento até transforma-la num “produto de consumo para o entretenimento”.
Nesse momento no Brasil, muitas pessoas falam que os artistas deveriam trabalhar por amor a política e a políticos, que são mercenários que pedem dinheiro pelo seu trabalho. Os artistas pagam as contas com sucesso? Sucesso é uma moeda especial? Você grita na padaria “artista!” e os pães pulam no seu colo? O que é, afinal, ser um sucesso? Todos sonham em ser, em obter o sucesso. Mães, pais, levam seus filhos para testes em busca dele. Mas quanto cada um está disposto a pagar? Prostituição? Testes de sofá? Assédio? Isso já seria terrível no mundo adulto, mas se torna indescritível, inimaginável se a chave da equação é uma criança. Como Judy Garland, por exemplo. Somewhere, over the rainbow... em algum lugar além do arco-íris haverá algo além do vazio de uma existência onde tudo é trocado por comprimidos... a dor, o sono, a fome, a insônia, o assédio, a escuridão. Onde uma criança de 12 anos trabalha 18 horas por dia no set do Mágico de Oz, sem direito a nada além de ameaças e coações. E assédio.
E ela, em resposta, canta como um passarinho. Assim, Renée Zellweger rouba nosso coração, em troca da vergonha da constatação de existência de tantos “eles” entre nós. Tudo na “mais portentosa aceitação social”, claro. No fim de uma vida que foi glamour e sucesso para o nosso ponto de vista de público, vemos uma vida absolutamente solitária, vazia e com a plena percepção de que você não é necessário. Em lugar nenhum.
Uma personalidade controversa retratada com traços tão simples, que as complexidades afloram todas. Judy, a encrenqueira social, é também Judy, a explorada, a infeliz, aquela que busca conforto onde a ensinaram a procurar – em drinks e remédios. Aquela que leva uma vida escura que uma interpretação de atriz foi capaz de captar detalhe a detalhe e nos presentear na tela.
Somewhere, over the rainbow Judy Garland usufruiu do amor de seu público e, através de Renée Zellweger interpretou uma cena tão absolutamente bela, que teria mesmo que ser a última. Singela, simples assim como Somewhere, over the rainbow...
Um filme lindo, de interpretações marcantes e – claro – imperdível.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Para uma enorme percentagem de pessoas existe o sonho de vida de ser famoso, de ser bajulado, admirado. As pessoas buscam durante uma vida essa aceitação, talvez essa recompensa. Não sei bem o que elas acham que vão obter. Aprenderam que era assim. Sonham desesperadamente por esse objetivo. Talvez se prestassem atenção a vidas como a de Judy Garland e de tantas outras pessoas, escolhessem outros sonhos. Talentosa mas explorada desde menina, não podendo comer nem fazer nada do que desejava, sendo medicada por adultos de acordo com os objetivos profissionais. Procurando nos casamentos o verdadeiro amor mas encontrando pessoas que a admiravam e aproveitavam sua “estrela”, sua luz. Sentindo-se só desde que nasceu, não conseguindo encontrar um lugar afetivo, sentimentos de aconchego, de proteção, familiares. A sua “casa”. Trabalhando intensamente desde muito nova (ela mesma refere que foi desde os 2 anos de idade) e no final da vida precisando de viver de ajuda de “amigos”. Por pena. Mãe de 3 filhos sem condições de os sustentar e de viver com eles de uma forma estável.
Se realmente deseja ser famoso, se prepare para viver só, no meio de multidões. De sentir uma sensação de que todos te amam enquanto os holofotes estão dirigidos para você. De se sentir infeliz a maior parte do tempo porque ninguém vive o que você vive e ninguém entende você. De sempre esperarem de você a perfeição ou o impossível.
Se preocupe com suas finanças e com seu futuro porque se você perder o vigor no seu talento e não tiver condições económicas, você perceberá que estará só ou com muito poucas pessoas lhe dando a mão. E nunca se esqueça, quando você tem sucesso, as pessoas te bajulam mas te invejam, não te amam. Mas quando você já não é uma “estrela”, são as primeiras a te apontar o dedo. Como você podia ser melhor do que elas?
O momento do filme “Somewhere Over The Rainbow”...é o momento em que desabas de tristeza, de pena, de lamento, de profundo incómodo por novamente uma pessoa especial ser explorada criminosamente e quando já não é perfeita, deixa de ter interesse e de ter o cuidado de outros que se servem dela. Porque deixa de ser controlável. O problema é que, em muitos destes casos, quando deixa de ser controlável, também perde o seu controle. E se despedaça totalmente.
Judy Garland, jamais a esqueceremos, sempre será respeitada, amada e lembrada pelo seu talento e pelo seu percurso profissional. Lamentamos muito que mais uma vez alguém especial passe pelo sofrimento que viveu na sua vida. Dói o coração perceber que por trás de tudo o que víamos nos seus desempenhos, sofreu tanto...
O Bug Latino tenta alertar as pessoas para falarem do que sentem, para fazerem o que elas desejam e não o que os outros querem. Para não seguirem sonhos de fama, vazios e sós.
Fiquei me perguntando o que “andou a fazer” durante sua carreira de atriz, Renée Zellweger, fazendo filmes bobinhos sobre quarentonas que necessitam encontrar marido... O que faz e demonstra neste filme é demasiado para ficar perdido em filmes fúteis. Incrível, incrível, incrível. Um enorme desempenho.
Não perca o filme se nunca ouviu falar no fenómeno Judy Garland, procure sobre ela na internet. Tem muita coisa. É alguém que merece e deve ser sempre lembrado. Se sabe quem foi Judy Garland, é OBRIGATÓRIO.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt7549996/
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