O filme começa e você pensa: “Foi mesmo indicado ao Oscar”? Foi. E no curso da história, nós – principalmente nós os brasileiros – começamos a entender o motivo.
Há uma ideia francamente estúpida em relacionar a arte, a ideologias. A arte é apenas a arte e ser artista é manter a capacidade de criticar a sociedade em qualquer de seus movimentos de retrocesso. Movimentos de retrocesso não são de direita, nem de esquerda. Movimentos de retrocesso são para trás e nenhum partido é idiota o bastante para dizer-se de trás. Nós é que caímos em armadilhas e exercitamos a nossa capacidade de sermos idiotas ao apoiarmos retrocessos. As pessoas. Nós.
Em JOJO RABBIT falamos da nossa capacidade de nos iludir com gritos e gestos e cânticos. Alguém pode gritar e gesticular e cantar e se ajoelhar no chão de mãos postas: “Glória a Deus”! Mas se o Deus não inclui todos, então não é o Deus verdadeiro. E em todos cabem católicos, candomblecistas, budistas, ateus. E também índios, negros, gays, prostitutas, drags, trans, homens, mulheres. Porque todos, são todos.
Já tivemos há pouco tempo atrás até a nossa cena nazista, no Brasil. E ver o Hitler imaginário de uma criança alemã, cuja mãe abriga outra criança, esta judia, no filme – ver seu Führer – dizendo ¨que os judeus precisam morrer porque têm chifres, rabo, são demônios¨ - é duro. Não porque a gente fique com pena da personagem – um menino de 10 anos – mas porque ficamos com pena de nós mesmos. Porque precisamos proteger nossos índios e nossa floresta – eles não são demônios e não precisam também de evangelização branca nenhuma. Precisamos proteger nossas raízes negras também e nelas cabe com alegria o candomblé e a umbanda. Precisamos proteger quem somos e somos brasileiros – não brasileiros de esquerda ou de direita. Brasileiros. Aquele povo miscigenado e por isso, revolucionariamente alegre diante de todas as privações. Nós. Nós nos lembramos de nós?
Pra quê existe a arte? Para vermos melhor o que nossos olhos são iludidos para não verem. Não, o Deus dos evangélicos não é melhor que os orixás. Não, censura não é moral, nem imoral – é um retrocesso. Brutal. Nenhuma ideologia pode olhar para Machado de Assis e Nelson Rodrigues torcendo o nariz. Isso não é ideologia – é idiotice com poder.
No filme, uma cena marca bem os sapatos de Scarlett Johansson; dessa atenção, desse foco, nasce talvez a cena mais bonita do filme. A beleza da arte é mudar o nosso foco de atenção para nos conduzir a novas descobertas – isso não é ideologia, é inteligência.
Todas as críticas apontam Jojo Rabbit como uma comédia sobre a II Guerra. Engraçado, que eu vi um drama com toques de bom humor – como nós os brasileiros fazemos tão bem, frente aos piores problemas. Fernanda Montenegro não é bruxa, Regina Duarte tampouco é santa. A arte, a cultura, nos expõem ao que somos socialmente e só os idiotas tentam mediocrizar um elemento que nos traz de volta à realidade. E como os atores são plenos e maravilhosos! Como Scarlett Johansson foi generosa com Roman Griffin Davis, dando-lhe toda a luz, como Thomasin McKenzie fez da discrição com que vive a injustiça de ser judia num mundo nazista (ou ser artista, num mundo que não admite crítica, apenas glorificação), seu grito de talento, como Archie Yates mostra que mudar de opinião por ver a luz da verdade é saudável. Não estamos procurando vencedores aqui – procuramos uma luz de felicidade que banhe todos. No filme e no Brasil. Para nós enquanto povo. Nós.
Jojo Rabbit é um espelho pra nós. As florestas não são de esquerda, nem de direita; apenas precisamos delas para a nossa sobrevida no planeta. Não adianta gritarmos Glória a Deus ou Heil Hitler porque os plásticos não vão fugir do oceano, o lixo não vai se auto destruir, o povo não vai conseguir meios de subsistência digna, trabalho, escola de qualidade e saúde. Não depende dos nossos gritos e ofensas – depende de nós. De nós.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Como um filme que no início parece meio “bobinho” e desinteressante, se torna num filme avassalador. Assim é “Jojo Rabbit”. Um filme aparentemente engraçado, estranho e patético, na verdade é um filme político, ideológico, educacional e um alerta e convite à mudança a todos.
No meio de atores extraordinários e com vários muito jovens, surge Roman Griffin Davis. Fofo, extremamente expressivo e com um desempenho estonteante para um menino da idade dele. Nos faz dar risadas e nos emociona intensamente. Um caso sério para acompanhar no futuro.
Um filme com mensagens extremamente bem pensadas. Com sutilezas que mostram recato e cuidado ao mostrar a violência das guerras e da morte. Que usa a ironia, o impensável para nos mostrar o quanto podemos fazer mal uns aos outros. Mas mesmo assim, parecemos zumbies e cegos.
A importância da educação, dos exemplos para as crianças. Julgo que nós, os adultos, ainda não fazemos nenhuma ideia do peso que as nossas expressões, opiniões e ações têm sobre o pensamento, imaginação e sonhos dos mais novos. E isso se repete e repete e repete na vida. Olhemos para este filme e tentemos entender que as crianças acreditam cegamente nos adultos enquanto exemplo, povo, poder, estado. E que precisamos assumir de forma saudável essa responsabilidade e mudar radicalmente o que fazemos hoje em dia. Não existem raças, não existe esquerda nem direita - existe uma vida para ser vivida por todos com direito à justiça, à saúde, educação. Chamem o que quiserem, mas não vamos mais dividir as pessoas por mais pensamentos diferentes que tenhamos. Não gosto de viver desta forma? Então vivo de outra. Não preciso destruir os que vivem de forma que não concordo. Vamos, adultos, parar com criancices? Por favor? Quantas vezes outros nos tentam destruir? Nos humilhar? Nos mostrar o quanto estamos errados? Ok. Sigamos caminhos diferentes, sem confrontos, mas seguindo nossos sonhos, sempre. A vida é bela por nos permitir escolher caminhos, podendo sempre nos desviar dos que não gostam do que fazemos. Existe sempre um caminho, sempre, para fugir a portas fechadas, a costas voltadas e a comentários deselegantes ou a silêncios destruidores. Sempre.
Chega a ser vergonhoso ter a consciência no filme que nos dividimos e separamos estipulando definições absurdas para os “outros”. Os americanos são assim, os ingleses assado, os alemães são A, os judeus B, os portugueses, os de esquerda, os de direita, etc, etc. “Nós” somos sempre os perfeitos e os outros os errados. Mais vergonhoso ver que escolhemos nos matarmos uns aos outros em vez de nos aceitarmos ou apenas nos afastarmos uns dos outros. Como se essa destruição fosse solução para alguma coisa. E queimar livros, e proibir ler livros. Meu Deus. As pessoas já nem leem livros e ainda se criam leis para piorar? Estamos bem? O que fazemos aqui neste mundo? Absurdo, absurdo, absurdo o que fazemos com as nossas vidas, com as vidas dos outros, com o lugar onde vivemos. E meio mundo anda se divertindo com maratonas, pilates e viagens turísticas pelo mundo. Quando morrermos teremos de mostrar algum currículo? Não tem valor se mudarmos de país, imagina quando formos embora do mundo terrestre...
Gente, as crianças aprendem direitinho tudo. As crianças acreditam nos adultos. Somos os seus heróis e o que fazemos? Só coisas erradas... E esperamos que elas entendam quando brincamos, quando estamos errados ou quando deveríamos ter feito algo bem. Todas as pessoas precisam acordar e mudar. Se estiverem em cargos políticos precisam decidir se querem o bem dos outros, da humanidade. Se não foi por essa razão que foram para a vida política, então vão fazer outras coisas.
Alguns, como esta mãe, tentam fazer o bem, apesar de tudo. Apesar de não ser entendida nem pelo filho. O Bug Latino tenta também, enquanto respirar.
E, de novo, o aviso. O amor salva, apenas ele. Aprender a olhar os outros verdadeiramente e sem ideias pré-concebidas ou doutrinadas. Falar mais alto não é ter razão. Ter mais dinheiro também não. Ser importante na sociedade também não. Decidir a vida dos outros muito menos. Os budistas falam a toda a hora, viva o momento, viva o agora. Tente fazer isso ouvindo o seu coração e fazendo sempre algo que seja bom para todos. Não siga grupos ou ideias que você nem sabe de onde veem. Porque pode um dia estar num lugar onde não quer.
Este filme é obrigatório. Obrigatório.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt2584384/
Site Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha