
Os filmes americanos têm, no geral, essa coisa maravilhosa de mostrar que aquilo que parecia insensibilidade pode ser super sensibilidade. Basta olhar bem. Esse filme mostra uma Sandra Bullock sem glamour nenhum, bruta, ex-prisioneira – aliás, odiei o seja o que for que ela fez no rosto porque ele sempre teve aquela expressão selvagem maravilhosa e que o botox, preenchimento ou whatever pasteurizou totalmente.
Toda aquela agressividade vai se transformando numa coisa compreensível no decorrer do filme e a gente vai aceitando transformar “uma assassina” em uma heroína naquele passo a passo americano incrível.
Aqui mesmo na Bahia, fizemos um programa da série SER (vão lá no buglatino.com ver), onde 3 homens foram presos, condenados e sentenciados, sem terem cometido crime nenhum. Apenas estavam ali, no momento em que era preciso culpabilizar alguém. Sem provas. Sem evidências. Sem investigação. Apenas alguém foi lá e testemunhou uma coisa que nunca aconteceu.
No filme, apenas se esperava que ela tivesse cometido um crime brutal, ela pagou por isso, cumpriu pena e saiu na condicional. Sem direitos. Sem belezas. E essa é maior beleza do filme, na verdade. Descobrir o que houve, pouco a pouco, desnudar o acontecimento e ter atores de ponta nos trazendo isso pouco a pouco, torna um roteiro do tipo “estive em Hollywood e vi mil desses”, em um bom filme, com interpretações enxutas, fortes, de grandes atores. Aponto o trabalho de Viola Davis, que em uma cena mostra quem ela é como atriz; Vincent D’Onofrio, como sempre intenso; Sandra Bullock, “pra variar”; Linda Emond, naquela discrição incrível que ela tem pra fazer qualquer papel render emoção, dentre outros.
Não é um filme que vá ganhar Oscar, tenho certeza. Porém, tem um oco de justiça dentro de nós que precisa sobreviver à lei, apenas porque a lei é apenas um dos ecos que nascem da justiça. Existem outros e existimos nós, sobretudo. E se, em casa, a gente assistir ao filme IMPERDOÁVEL e depois conversar um pouco sobre a forma como a sociedade tem entregue insensivelmente o acompanhamento da justiça para a legislação vigente, podemos chegar aos novos pensadores da educação, da sociologia, da psicologia, da linguagem, etc – e a relação deles com as famílias, as sociedades e lá no fim da fila – nós. Como parte desse coletivo que vive estressado por não perceber que precisa pensar em termos coletivos para relaxar e se sentir incluído no grupo humano – que todos querem fazer parte, mas como membro especial, membro “café com leite”, membro com “QI” (quem me indica para passar à frente dos outros é...).
IMPERDOÁVEL tem ingredientes conhecidos, que continuam funcionando muito bem. Melhor do que apenas ver o filme, é ver o filme e se dispor a falar sobre o que não funciona bem no sistema para que a gente continue pregando “que bandido bom é bandido morto”, enquanto se vira o rosto para o fato consumado de que nem todos os condenados são culpados, nem toda polícia investiga, nem todo tribunal tem provas para culpabilizar sem receio, com causa provável, etc.
Vale ver, o elenco está perfeito. Temos que falar sobre direitos e deveres todos os dias e o filme é um bom motivo. Não é pra Oscar, mas e daí?
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Grandes atores. Um filme que aborda temas difíceis e importantes: a justiça, o direito, a discriminação, o amor. Alguém faz algo errado e deve pagar por isso, diz a sociedade. Mas, apesar de pagar na prisão, pagará sempre pelo estigma.
A sociedade acusa e tem dificuldade em perdoar, mas tem ainda mais dificuldade em se preocupar, em saber porque isso aconteceu, quais são as circunstâncias. E saber as circunstâncias é tremendamente importante para se entender o contexto e porque aquela pessoa fez o que fez. Na verdade, talvez fizéssemos o mesmo. A nossa sorte é, termos na nossa vida, outras circunstâncias. Todos dizemos que ajudamos os outros, mas a que nível? Onde está o nosso limite? Ajudamos a atravessar a rua? Ajudamos a encontrar um emprego? Ajudamos a obter justiça? Ou ajudamos com sorrisos? Este filme é importantíssimo para refletirmos sobre aspetos fundamentais. Novamente um filme para ser discutido em escolas, universidades, famílias, amigos.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Uma mulher é libertada da prisão após cumprir uma pena por um crime violento e volta a entrar numa sociedade que se recusa a perdoar o seu passado.
Diretor: Nora Fingscheidt
Elenco: Sandra Bullock; Viola Davis; Vincent D'Onofrio
Trailer e informações:
https://www.imdb.com/title/tt11233960/