Pelo elenco, tinha tudo pra dar certo. A sinopse forte, com nós dramáticos intensos. Mas, na prática, ERA UM VEZ UM SONHO é um filme cujo início não chama a atenção, mesmo com a minha justificativa interna de que é baseado numa história real, por mais estranha que ela seja. No fundo é uma ótima história: intensa, cheia de bons e maus exemplos, com atuações primorosas como a de Glenn Close - mas não se pode dizer que tenha sido contada como deveria.
A mistura dos três tempos onde decorre o filme, muitas vezes é confusa. A tal ponto que o filme perde a ação e se transforma numa narração de fatos. Por outro lado, essa desconexão muitas vezes nos ajuda a perceber que as vidas de alguns segmentos familiares podem ser totalmente desconectadas entre si, sendo conectadas exatamente pela desconexão. Complicado? Sim. Talvez o meu mal-estar seja fruto mesmo da percepção de que existem famílias que não conseguem ter núcleos. São como células independentes que ficam na mesma órbita, tentando sobreviver.
Vendo pelo ponto de vista de que a vida não é nada técnica, o filme é muito bom. A coisa descontinuada e doente está lá e pulsa o tempo inteiro. Alguém levaria a mãe viciada para uma entrevista de emprego crucial, alguém a deixaria para tentar melhorar de vida. Alguém afundaria no charco daquele ambiente, alguém conseguiria sobreviver, saindo de lá. Qual é o papel de cada um, não sabemos até que ele nos é dado.
O fato é que qualquer vício é terrível. E dentro do vício, o papel da família é tão desconexo, tentando ajudar a ver um fundo do poço imaginário e tentando respirar dentro dele, ao mesmo tempo. Uma desordem, uma bagunça total, com gritos, polícia, falta de dinheiro.
Bem, o filme é assim. E ele seria um filme confuso se, ao levantar pra escrever que ele é confuso, eu não tivesse me deparado com o fato indiscutível que a vida real é ainda mais confusa. Por isso indico o filme.
Glenn Close estupenda, irreconhecível, numa construção de personagem impecável. Um camaleão dramático. Nunca me canso de vê-la em ação.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um filme com atores de alto nível, como Glenn Close. Um filme com um dos diretores mais cotados da atualidade, Ron Howard, ex-ator. Tudo parece dar certo mas o filme tem falta de ritmo, com um roteiro solto e que dificulta o vínculo do espetador. Dá muito a sensação de ser um filme feito com pouca produção, com direção inexperiente. Estranho. Parece um daqueles filmes dos antigos clubes de vídeo que as pessoas alugavam quando os melhores estavam esgotados.
Realmente o que salva é a história de vida ser verdadeira. E que história!
Um menino, como tantos outros, que pertence a uma família desestruturada, com laços frágeis, instabilidade profissional, financeira, sem ideais, sem desejos para o futuro, familiares presos aos traumas, perdas e feridas do passado. Famílias que estão tão atoladas na lama dos problemas que desenvolvem mais problemas e mais problemas. Que os dias são uma triste e envergonhada sobrevivência, onde a dignidade e a honra são apenas letras do hino nacional. Caminhamos o filme todo desejando que o menino que se torna homem, entenda que para se salvar e salvar a família precisa tomar algumas decisões difíceis mas essenciais.
Ele, como todos os meninos do mundo, vai recebendo mensagens, desejos, conselhos de familiares. Sementes que podem se desenvolver um dia. Vai assistindo e sofrendo. Vendo sofrer. Aprendendo que tudo pode correr mal, mas que talvez ele possa tentar mudar alguma coisa. Aprendendo que pode agir e ao agir o mundo pode melhorar muito. Não custa tentar. E que amar não é dependência, amar não é obrigação. Amar é descobrir saídas, tentar resolver problemas, aprender quais os momentos da vida em que é importante agir e quais os que só dá para ter esperança. Acho que devia ver o filme e acho que os jovens da sua família também deviam ver. E falar durante e no final. Neste filme está a vida com tudo o que é perigoso, com tudo o que nos salva. Como os dias de cada um de nós.
Ana Santos, professora, jornalista
Diretor: Ron Howard
Elenco: Amy Adams, Glenn Close, Gabriel Basso
Sinopse: Um telefonema urgente puxa um estudante de Direito de Yale de volta para sua cidade natal em Ohio, onde ele reflete sobre três gerações de história da família e seu próprio futuro.
Link com informações do filme “Hillbilly Elegy” / “Era uma vez um sonho” (2020)