Pedofilia. Pedofilia na religião, por acaso na católica. Pedofilia de padres contra crianças.
In nomine Patris et Filii et Spiritús Sancti – isto era o que deveria ser, mas não é - e no filme Graças à Deus ficam bem claros os motivos. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo envolve rapidez, ausência de corporativismo e de burocracias – é divino, não humano.
O filme é escuro como o espírito de quem se sabe doente, mas insiste estar ao redor de crianças. Se sabe doente, mas confia em passar despercebido e perseverar na ação inominável – pedofilia. Temos que falar esse nome. Porque se a pedofilia acontecesse apenas na esfera religiosa optaríamos até pela religiosidade ao invés de religião. Mas muitas casas têm pedófilos travestidos de pais biológicos; de adotivos; de tios; amigos da família; vizinhos.
Falando em família, o roteiro do filme – cruamente realista – aponta como as famílias tentam evitar falar do problema pedofilia porque “causa desconforto no eixo familiar” – afinal, a base de tudo é a família, não é?
Palavras precisam sempre representar ações, coisas, objetos, concretudes. Então deveríamos falar abertamente: pedofilia, pedófilo, ninguém pode te tocar se você não quiser, nem sua mãe, nem seu pai. Procure um adulto e aponte quem te obrigou; não há segredo sobre isso. Mas nem falamos do assunto. Deixamos que ele repouse no noticiário. In nomine Patris et Filii et Spiritús Sancti ...
O filme sendo escuro, difícil de engolir, nojento mesmo, mostra uma natureza pura e aberta ao mundo. A mais pura que assisti até hoje. Porque não basta mostrar o pedófilo sendo algemado e preso. A TV nos anestesia com relação a todas as barbaridades. Basta entendermos e ensinarmos nossas crianças a como evitar os pedófilos, embora eles sejam traiçoeiros e se inssssssinuem.... Como animais peçonhentos e covardes.
Um filme tão bom que deveria passar na igreja dos católicos, dos evangélicos, de todos os cristãos e não cristãos, nas escolas, clubes, nos ônibus – em toda parte é pouco. Uma criança não pode mais ter dúvidas se aquele toque é uma coisa boa, se é um segredo, se uma coisa que ela não gosta, mesmo que o adulto miserável diga que é uma coisa boa. O filme é imperdível sendo doloroso, asqueroso, maquiavélico e demonstre a sociopatia na qual mergulhamos para não perder a amizade do chefe, do vizinho, do avô.
Shakespeare dizia que os homens deviam ser o que parecem ou, pelo menos, não parecerem o que não são; como tudo o que está ao redor do humano, fácil de falar e difícil de exercer.
Filme imperdível.
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
Graças a Deus que alguém teve a coragem de falar e de enfrentar os silêncios, as mentiras e a hipocrisia sobre o que acontece com uma percentagem absurdamente alta de crianças e jovens em todo o mundo. Meninas ou meninos, pobres ou ricos, com ou sem família. A pouco e pouco vão se destapando as caixas de pandora de lugares onde as crianças e jovens deviam estar seguros. E não existe um País, ou religião ou partido, ou crença, ou atividade, que se salve. Esporte/desporto, música, religião, escuteiros/escoteiros, escolas, não interessa o tema. Onde existirem atividades para crianças e/ou jovens devemos estar atentos porque estarão também pessoas com objetivos errados. Durante séculos a autoridade cega e sistémica permitiu que se fizessem coisas deploráveis e cruéis a jovens e crianças que deveriam ter proteção. Porque ser adulto é também saber educar e proteger as crianças e jovens.
A criança. A criança vive tudo em estado puro e em plena intensidade, entrega, descoberta. Confia nas palavras e ações dos mais velhos, mais experientes. Confia nos que ama e nos amigos e familiares dos que ama. Confia completamente.
Gostava que Portugal tivesse a mesma coragem que teve a França. A de expor o problema e dessa forma assumir para corrigir.
As pessoas devem poder falar com alguém quando sofrem algo. As crianças e jovens devem saber isso e devem ter pessoas adultas e responsáveis sabendo o que fazer, quando e se isso ocorrer. Chega de uma sociedade de silêncios e faz de conta. Não tapem a boca a quem sofre, a quem ficou marcado para sempre, a quem precisa de se sentir “justiçado” e compreendido. Como a sociedade, vezes sem conta, dá razão aos errados, pelo silêncio e pelo “cala a boca”? A sociedade somos nós, sou eu, é você, não é um lugar vazio e oco. O “deixa estar”, o “deixa lá”, o “sabes lá o que é sofrer”, o “sabes lá o que eu passei e calei”, o “passa à frente”, o “ainda estás aí?”, o “de novo o mesmo assunto?”, o “afinal tens é inveja das pessoas”, o “apesar de tudo não posso deixar de falar com essa pessoa”, o “desculpa mas não me meto nesses assuntos”, o “acho que devias falar com a pessoa porque ela é correta e quer falar contigo e tu recusas-te”, o “avança”, etc, etc, etc... O que querem estas pessoas? Porque querem calar? Concordam? Pior...querem viver sem problemas e você só levanta problemas. Depois de 30 anos ainda falas nisso? De novo?
Algumas pessoas ficam com incontinência fecal, urinária, com epilepsia, com fobias, com depressão, com mil e uma coisas mais, mas...para a sociedade elas são fracas, né?
São mais fortes os que casam e constroem famílias com vários filhos de uma forma que parece que estão a fazer um muro para se protegerem ou para tentarem ser capazes e “normais”? Porque afinal, socialmente uma pessoa é inferior, um problema, quando ficou para Tio ou Tia. Ai, ai...povo, ai, ai, adultos.
E tem os que constroem famílias para poderem ser respeitados e dessa forma conseguirem ter acesso às crianças e jovens sem problemas. Normalmente são intocáveis socialmente. Pessoas de bem, de respeito, que qualquer pai ou mãe confia seus filhos.
Como adultos precisamos de proteger os mais novos, os que precisam.
Ensinar os seres humanos, desde pequeninos, que outras pessoas só podem tocar no seu corpo se eles autorizarem. Seja quem for. Mesmo um médico precisa pedir e ser autorizado. Mesmo o pai ou a mãe. O corpo é seu. Pedidos estranhos devem ser comentados com as pessoas que confiam. Mais do que uma para não correr o risco de falar com uma ou duas que sabem e calam ou que também são iguais.
As igrejas, os colégios, os clubes, os escuteiros/escoteiros, os estágios, os acampamentos, os torneios, etc. Todas as formas de organização onde existam crianças e/ou jovens protegidas por adultos, devem ser vigiadas, controladas e supervisionadas.
Este filme/documentário mostra também que as famílias se habituam aos silêncios e a deixar estar, a olhar para o lado, a fazer de conta, perpetuando sofrimentos, erros, manipulações. E essas pessoas são como abutres, ficam anos se for necessário, para atacar. E atacam durante anos. Sabem bem escolher os momentos. Raramente são apanhadas em falso. E quem as acusar vai parecer maluco.
Curioso como um dos únicos casais que consegue sobreviver a toda essa luta é um casal em que a mulher também foi abusada em criança. Parece que temos uma dificuldade enorme de entender e apoiar o sofrimento dos outros quando não passamos pelo mesmo. Por que fazemos isso? Precisamos aprender a apoiar os sofrimentos dos outros mesmo que não saibamos como é. Basta saber que os que amamos sofrem. Quando os que amamos sofrem, não devemos mostrar que existem sofrimentos maiores. Por que existem sempre sofrimentos maiores, mas o da pessoa que amamos, se amamos, é aquele naquele momento.
Não tenha medo de falar, nunca. Nunca falar para destruir, mas para construir, corrigir.
Ana Santos, professora, jornalista
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