É como se o roteiro optasse por nos dar a vida cotidiana de uma mulher independente. Nada de grandes dramas – ela simplesmente dirige cantando, visita as amigas, se depila contando o que quer que aconteça com seu encontro e tudo ao redor da órbita de uma mulher sem grandes complexidades, onde o forte é a autonomia para assumir o tudo por alguém ou o nada por ninguém – dependendo da situação.
Talvez, na verdade, o filme guarde os grandes dramas e seus respectivos nós para o namorado da heroína – que não é o herói porque o filme nem pensa em nomear alguém. Aqui, o nível de dependência emocional entre as filhas e ele, a ex-mulher, que afinal é a mãe das filhas, que tem uma relação de dependência absurda com ele, que é o pai, que depende emocionalmente delas é... – Um nó dramático só!
Filhos, ex-maridos, ex-mulheres, netos, educação familiar, como é difícil se inserir – e ser inserido – nos núcleos de família e como se reage ao ver que a nossa educação pode não combinar nada com as ações das famílias que poderão evoluir para compor o “seu futuro” ( se você se casar, por exemplo). Aí o filme nos aponta que com ou sem autonomia, conviver é uma habilidade social a ser desenvolvida por todas e em todas as gerações.
A trilha sonora, impecável, nos conduz à nossa própria trilha sonora de vida, até porque as idades regulam, se falarmos de mim e da personagem de Julianne Moore. Mas o filme é exatamente isso. Pra quem planeja depois bater um longo papo cabeça sobre ele, falta assunto se a gente não esmiuçar o comportamento de John Turturro. Há a delícia de se ver uma mulher madura interagindo com as coisas que acontecem, mas faltam nós dramáticos – e talvez eu esteja precisando de alguma ficção pra amenizar o drama de conviver com o corona vírus no Brasil.
Assistam, comentem e atestem.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um filme com uma trilha/banda sonora incrível. Só músicas sensacionais. Para quem já passou as 50 “primaveras” são mesmo músicas inesquecíveis de tempos passados.
A sinopse do filme que foi divulgada fez com que não o fosse ver no cinema. “Uma divorciada de espírito livre”. Não queria ver um filme vazio nem essa “liberdade”. Na minha vida já sofri demais com essa “liberdade” que só funciona num sentido. E afinal o que é isso? Um pré-conceito que coloca o filme num espaço que julgo não ser o dele. Por causa do Covid19, acabei por aceitar ver o filme em casa. Ainda bem. Gloria está divorciada e está tentando viver, seguir em frente. Da forma que achou melhor para ela, de acordo com o lugar onde vive. No Japão, as mulheres conhecem possíveis namorados e maridos através de agências. A dificuldade em encontrar ou se aproximar de pessoas de outra forma, fez com que muitas pessoas escolhessem formas que aos olhos de quem ainda “tinha” uma forma de socializar conhecida, parecessem estranhos. Digo “tinha” porque tudo vai mudar...
Arnold, que se enamora por Gloria, tem enormes problemas silenciosos mas contundentes na sua vida. Problemas que asfixiam a sua felicidade mas que ele não consegue resolver. Tenta, parece sempre que é desta vez que será capaz, mas é incapaz de cortar o “cordão umbilical” com sua ex-mulher e suas filhas adultas. Essas 3 personagens que nem aparecem fisicamente, são peças importantes: no filme e na vida de Arnold. Manipulam Arnold, o mantêm dependente emocionalmente, enquanto elas se mantêm dependentes financeiramente. Quantos conhecemos assim? Quantos? Como Arnold, como as filhas e a ex-mulher, como Gloria? Todos tentando da melhor forma possível que sabem e que conseguem, sobreviver. Nenhum percebe que a forma como tenta sobreviver provoca sofrimento nos outros. Todos andamos à deriva e na busca da nossa felicidade, tentando e testando caminhos e formas. Num vai-e-vem que nos despedaça e constrói.
A relação entre Arnold e Gloria é muito cativante porque nos confronta com o início das relações, com a possibilidade de nos reinventarmos quando começamos de novo. E nos avisa da dificuldade e dedicação necessária para ser feliz uma vida inteira. Ser feliz dá trabalho. Mas é possível.
Se isto ainda não o motivou, pelo menos vale pelo poema que é lido no meio do filme.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt6902696/
Diretor: Sebastián Lelio
Roteiro: Alice Johnson Boher , Sebastián Lelio , Gonzalo Maza
Elenco: Julianne Moore, John Turturro, Caren Pistorius, Michael Cera
Sinopse: Uma divorciada de espírito livre se envolve em um novo romance inesperado e complicado.
HBO
Circuito de Cinema Saladearte
Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha
Estou curiosa para assistir! Obrigada por mais uma opção cultural em tempos difíceis!!! BUG!❤️