“Ferimento por arma de fogo: a dura realidade de um cirurgião de trauma“ // “Gun Shot Wound: A Trauma Surgeon's Grim Reality | ENDEVR Documentary” (Youtube, 2023)
Num País como o nosso, onde ainda se grita que “bandido bom é bandido morto” e que foi ferozmente estimulado a se armar pelo último governo, o documentário parece não fazer muito sentido, à primeira vista. Afinal, “arminha em punho” para caçar os marginais – normalmente pobres, pretos e periféricos – mesmo se a tradução de marginal estiver em crianças, velhos, mulheres, estudantes, trabalhadores.
Bem, os americanos pensavam igual e estão cada vez mais aprisionados ao fato de que as balas não se desviam da classe média e nem da rica, tanto quanto nunca se desviaram dos pobres. Elas rasgam, dilaceram, aleijam a qualquer “carne” presente.
FERIMENTO POR ARMA DE FOGO: A DURA REALIDADE DE UM CIRURGIÃO DE TRAUMA dá a versão que nunca ninguém quer ouvir: a dos médicos que atendem, que precisam se especializar em ferimentos de guerra para fazer frente a quantidade de tiros que cada vítima pode levar, com a automatização das armas.
O DOC é imperdível. Deixa os filmes policiais mais sangrentos “no chinelo”. Mas não há heróis por aqui. Só pessoas exaustas e traumatizadas de terem que se sentar com pais combalidos para lhes dar mais uma vez a notícia de alguém amado morreu. Não precisa a fala de mais ninguém - Ministério Público, Direitos Humanos, ONGs, nada disso. Apenas médicos, enfermeiros, vítimas, vizinhos e pais pedindo que a carnificina cesse.
Aqui, os ignorantes de plantão vão seguir falando as baboseiras de sempre, alguns inclusive rezando e misturando a pregação da morte de pessoas. Para esses, o silêncio absoluto da ignorância. A escuridão. A treva.
Mas todos os outros devem assistir com sofreguidão para realmente se perguntarem o que está acontecendo com as polícias, o que São Paulo está fazendo em Santos e se essa nossa omissão flagrante e criminosa não está colocando nossos filhos, sobrinhos, netos e vizinhos cada vez mais próximos do tiro que pode lhes tirar a vida, a saúde ou os movimentos. Sem discursos. Só o que os médicos veem pelo mundo: em Baltimore, no Miguel Couto do Rio ou no HGE, de Salvador.
Simples, claro, sem mimimi.
Aterrador.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Documentário muito interessante, muito importante e que aconselho a todos. São muitos os envolvidos no enfrentamento a uma crescente violência gratuita na sociedade – policiais, médicos, enfermeiros, familiares, agressores. Mas na verdade, todos estamos envolvidos e todos sofremos as consequências, nem que seja por viver com medo e com a sensação que um dia podemos ser nós.
É uma maravilha perceber que existem profissionais que conseguem um verdadeiro milagre, ao salvar vítimas de 4, 5, 10 tiros. Mas, como alguns profissionais falam no documentário, depois de conseguirem salvar as pessoas, ficam uma sensação de que está tudo errado no mundo quando as pessoas fazem estas atrocidades a todo o instante. As equipes médicas lutam para salvar muitas pessoas por dia, mas depois vem a vida com sequelas, a vida com medo, a vida com vinganças, com mágoa, raiva, ódio. Um escalar de violência sem fim que também é falado no documentário, bem como algumas formas de o combater – ex-vítimas de tiroteios que fazem trabalho de acompanhamento de recentes vítimas, tentando ajuda-las a não construir ódios e retaliações. Instituições e associações que ocupam os espaços dos tiroteios, nos dias seguintes, com atividades culturais, tentando impedir a normalização das situações, tentando impedir a ocupação física e emocional dos espaços, das casas, dos bairros, pela violência, pelas emoções destrutivas.
É um documentário muito importante para ser assistido por coordenadores de polícias, militares, hospitais, escolas.
O mundo sereno, livre e calmo – que existia - está sendo engolido pela violência e não podemos ficar parados, sentados, a assistir.
Não perca e tente contribuir.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: “Gun Shot Wound” analisa com atenção a violência armada rotineira na América através dos olhos de seus cirurgiões de trauma. O filme examina a crise através de lentes de saúde pública e destaca programas de intervenção contra a violência baseados em hospitais, concebidos para combater a epidemia.
Link do Documentário completo