
Outro filme marcante por muitos motivos. O primeiro, soberano, é apelar para o absurdo - e você perceber que o mundo já desenvolveu aquele absurdo fortemente. Atualmente.
Não sei se é porque eu vivo e respiro comunicação, mas aquelas pessoas falam, mas não se comunicam. Os pais mandam e as crianças são seres silenciosos que têm pouca ou nenhuma participação e muito menos influência na trama da vida dos adultos.
Só que não.
O filme é perturbador. Na verdade, o que se vê são famílias onde as pessoas se voltam para si mesmas e seus problemas. Isso não quer dizer que eles não se amem; apenas quer dizer que estão sempre em dessintonia. É engraçado porque vejo isso acontecer o tempo todo, mas embora isso possa ser apontado – e eu aponto - dependendo do adulto, não adianta nada porque a aprendizagem de ditar normas ao invés de comunicar é muito mais forte do que a consciência, por incrível que pareça. Portanto, tal qual o filme, dependendo de como está o humor do adulto, dizer alguma coisa ou fazer uma pergunta pode virar um espancamento – físico ou verbal.
Mas diante dessa espécie de isolamento acompanhado, as crianças estão sofrendo influências permanentemente – fato não visto, não notado porque estão todos falando sozinhos, na verdade.
Mais do que apontar cenários e interpretações, de FÁBULAS SOMBRIAS eu aponto o labirinto comunicacional que as pessoas vivem como elemento principal. Acusam-se de coisas absurdas, dão ordens sem parar, choram porque não suportam ver que uma pessoa perdeu o controle momentaneamente e mandam, espezinham, tentam diminuir.
Aparece então um outro adulto, antes invisível no filme - e ele – o desprezado, despreparado e demitido, mas ainda através do poder do ensino-aprendizagem, cria armas assustadoramente difíceis de transpor, por serem inimagináveis por aqueles adultos mergulhados em si mesmos. E todo o absurdo acaba virando uma tragédia – aliás como sempre.
Não é filme pra crianças. É um filme para pensar no que as pessoas querem fazer de sua comunicação. É um filme onde, se eu não tivesse visto e apontado o detalhe da comunicação, talvez ele passasse batido para muitos.
Portanto, não deixe isso passar batido de você. Não é normal ser obrigado a concordar sempre. Não é normal o silêncio. Estado de comunicação é estado de troca e troca implica em ouvir e pensar ao invés de reagir. Comunicação não castiga; completa. E isso está implícito na ação de mandar. Mandar sem explicação tem nome – é tirania.
Todo o resto, do menor abandono, desprezo, às maiores desgraças, são apenas consequências da mesma coisa – comunicação não é dar ordens, não é evitar o contato. O silêncio apenas despreza, tenta humilhar e menosprezar a grandeza de ter nascido outro. O mundo não é formado por clones - não esqueçam - porque todos têm diferenças enriquecedoras.
E senhores adultos: o filme, se vocês ainda se encontrarem em estado de sensibilidade, vai colocar muitos diante do espelho. Assistam e sobretudo: PENSEM NISSO.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um filme incómodo.
Atores sensacionais.
Excelentes atores adolescentes.
A vida mundana, aparentemente civilizacional, vazia, hipócrita, sem sentido, sem profundidade, sem rumo. Uma falta de comunicação estonteante, mas que fingimos que existe. Até que entendemos que não. E quando entendemos, é duro.
As diferentes gerações não se entendem, não se compreendem, não se adaptam, não se conhecem, não se respeitam, não se unem para algo construtivo. Há muitos anos ouvia-se com muita frequência as frases: “quem não tem dinheiro não tem vícios” e vidas vazias, sem nenhum sentido não levam a lugares interessantes. A sociedade do século XXI parece dilacerada, em busca de intensidade e emoções seguras e consistentes na fisicalidade. E só encontra o vazio. Se desorienta, se perde. E as escolhas, nesse ambiente, não costumam ser boas nem saudáveis. O suicídio, a depressão, os ataques suicidas, o egoísmo, a inveja, a falta de empatia, a frieza, a mentira, ...
Um filme que parece uma desorganizada junção de planos cinematográficos, vira o nosso estômago e torna-se um aviso sério e difícil da vida que a sociedade decidiu viver.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações
Sinopse: Algumas famílias que vivem em um limbo nos subúrbios de Roma. As tensões aqui podem explodir a qualquer momento; em última análise, são as crianças que provocam o colapso.
Diretor: Damiano D'Innocenzo, Fabio D'Innocenzo
Elenco: Elio Germano, Tommaso Di Cola, Giulietta Rebeggiani
Link Imdb
https://www.imdb.com/title/tt8526370/