A tradução “nada a ver” do título gerou uma falsa expectativa com relação à história. Depois da “quebra”, poder assistir uma visão tão realista do que os adultos estão fazendo, foi sensacional.
Há anos que nós, do Bug, falamos e repetimos e repisamos que algo precisa ser feito para que as pessoas se comuniquem melhor entre si porque as redes sociais criaram a ideia de que você pode reagir como quiser porque ninguém está te encarando na vida real. As palavras estão diminuindo, a fluência verbal fica restrita a perguntas e respostas lacônicas, as pessoas estão se distanciando e a agressividade não para de aumentar.
No filme, fatos da vida real fazem parte da vida escolar, alteram suas rotinas e afetam a vida das crianças e professores.
Há uma indisposição no ar, uma certa má vontade de parte a parte, alguma coisa que precisa ser falada entre meninos e adultos. Uma DR, talvez.
Durante todo o filme, a tal má vontade é intercalada por esperanças; a vida confusa e os falsos conceitos de moral se misturam com interesse verdadeiro e vontade de ajudar.
E, como na vida real, os pais estão perdidos. Parecem ET’s recém caídos do disco voador, procurando “casa, minha casa”. Não há confiança, não há proximidade, não há intimidade entre pais e filhos e claro, não há comunicação, é incrível.
Eu indicaria o filme – que é uma ficção – para prefeitos, governadores e presidentes. Para deputados federais e senadores da república. Para políticos em geral. “Eles” – dão palpites, tiram acessos, fazem experiências tresloucadas com as nossas crianças, trocam orçamentos de educação até por cantoria em festival, o dinheiro da educação pode ser bebido, cantado e dançado – e quando nada anda, quando tudo fica no mesmo esmo, parece que somos nós que não fazemos. Mas fazemos, estamos tentando fazer. Mas se não há o start, se ninguém vai lá apertar o botão, ele nunca liga.
Nesse sentido, embora o filme seja feito para adolescentes, ele serve muito mais para os adultos. Na verdade, porque somos nós que julgamos e condenamos, enquanto hipocritamente seguimos corrompendo e nos deixando corromper. Agredindo e sofrendo agressões. Primitivamente tirando o futuro deles, os políticos estão enrolando os mais jovens.
Eu gostei demais da interpretação dos adolescentes – nada de grandes choros e dramas, mas aquele “dá ou desce” que os políticos e nós mesmos precisamos levar deles. Mas pra chegarmos a isso, precisaríamos ouvi-los, entrar em um estado de comunicação real e quase tudo o que eles têm nosso, parte de cobranças, perguntas, críticas e quase nunca de uma fala franca. Por isso, é claro que os políticos e seus assessores especiais colocam fotos de “seus feitos” – mas só no Facebook. Cara a cara com adolescentes e a falta de trabalho produtivo seria posta às claras e a coisa sairia de controle.
Vejam o filme dispostos a falarem sobre o que viram. Aliás, sempre repetimos o mesmo pedido – vejam qualquer coisa com disposição para falarem sobre ela.
Tem defeitos? Tem. Mas as qualidades - a verdade que ele defende, sobretudo – compensa largamente.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Excelentes atores, professores, assistentes, alunos, familiares. E os alunos impressionam muito com tamanho talento, nomeadamente Liam Pierron. Dá show o menino! Jovens, muito expressivos, muito intensos. Filme com uma abordagem e dinâmica diferentes, no nicho do audiovisual escolar. Dirigido por quem sabe bem como são as escolas atuais, nomeadamente as mais problemáticas. As cenas criadas, tanto no ambiente escolar, como no ambiente familiar e social são muito bem boladas. Mostra com uma facilidade rara, problemáticas que todos que trabalhamos no ensino conhecemos. Se tem filhos em idade escolar ou se nunca entrou numa escola precisa assistir a este filme para ter uma pequena noção do mundo que existe ali. Uma escola de uma zona pobre da periferia de Paris, mas poderia ser uma zona pobre da periferia de uma cidade portuguesa, espanhola, brasileira. Escolas que acumulam meninos sem esperança, sem futuro animador, com estruturas familiares muito frágeis, convivendo permanentemente em ambientes corruptos, marginais e perigosos. Meninos e meninas espertos, talentosos, mas sem espaço, sem ambientes estimulantes. Uma conselheira escolar diferente, um professor diferente, uma mãe ou um pai diferente, podem fazer muita diferença na vida de crianças e jovens por este mundo fora. A capacidade de fazer parte de um sistema sem se desmoronar, sem perder a energia e as convicções e sem parar de lutar. Amei, amei, amei. Mostra os que se adaptam ao sistema e até se dão muito bem e mostra os que resistem, os que se preocupam. E esses, que se preocupam, que dedicam toda a sua vida para ajudar estas crianças a ter um mundo melhor, necessitam ser mais bem tratados, compreendidos e apoiados. Mas para isso a educação não pode ser um negócio...
É triste ver que até em França os professores de educação física são considerados menores, menos inteligentes. Um profundo preconceito muitas vezes fundamentado por causa de alguns professores que realmente são sem noção. Mas sem noção também existem na matemática, no português, nas ciências, etc. Nada tem que ver com a matéria e tem muito a ver com a pessoa. Muito interessante mostrarem a dificuldade de serem disciplinados e bem comportados, uns nas aulas – alunos - e outros nas reuniões – professores - e a comparação entre as festas e a forma de se divertirem de professores e alunos também foi muito bem bolada. Uns se tornam mentirosos para sobreviverem – um dos alunos, outros vendem maconha para ter dinheiro para viver, outros têm funções de disciplina e seu namorado está na prisão. A vida, nua e crua. Não perca!
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Uma conselheira escolar se muda para Saint-Denis, um bairro pobre da periferia de Paris. Ela passa a cuidar de uma escola com alunos particularmente difíceis, e descobre a necessidade de disciplinar também os professores, enquanto encontra forças para aguentar a batalha diária de ajudar garotos e garotas sem qualquer perspectiva de futuro.
Diretor: Mehdi Idir; Grand Corps Malade
Elenco: Zita Hanrot, Liam Pierron, Soufiane Guerrab
Link do trailer e informações: