Realismos e realismos depois, eis a história de um amor, de um sonhador, de um escritor – e de Cyrano de Bergerac, seu produto principal, a personagem talvez de maior sucesso do teatro francês de todos os tempos.
Ah, mas é a história de Cyrano de Bergerac de novo? Não, ou talvez sim, mas de outra forma. De uma forma inesperada, humana, cheia de paixão pela arte, com doses imensas de improvisação, peruagem, discussões, QIs. E gente inteligente, inocente, amor incandescente... ah! O texto é todo em versos, num francês tão bem articulado, com uma dicção tão perfeita que o ator que finge ter uma prosódia ruim é motivo de risos.
E se fosse só por isso, já valeria demais à pena ir ver “Cyrano, meu amor”. O teatro de Salvador anda cada mais “esquecido” do que é dicção teatral e para o que ela serve – a fala do ator é estranha por ser naturalmente, estudadamente perfeita. O ritmo dos atores, com falas de época, rimadas, ritmadas ao invés de criar uma sensação de trova infantil, nos leva ao céu da imaginação e nos coloca numa torcida louca para que o amor vença, seja lá com quem ele consiga vencer. E que ele vença e domine os ventos, os feios, os soberanos, aristocratas e também nós do povo, da plebe rude, nós os miseráveis que sonhamos com tênis, carros, casas e não sabemos sonhar com a beleza de um amor que se sobreponha a tudo, que seja heroico, companheiro e que nos ajude a ser melhores do que somos. De um povo heroico o brado retumbante...
A beleza da ficção, dos sonhos que não sonham coisas, mas pessoas - e que são importunados com a vida, o valor das coisas, as contas por pagar. A beleza da fantasia é que a gente sai dela renovada, pronta para a nova luta pelo amor antigo, “pour l'amour, tout l'amour et seulement l'amour” e os erres se arrastando daquela forma linda que enfeitiça os ouvidos...
Quem perder, vai se achar pior nesse realismo sem graça em que vivemos hoje nesse Brasil atual, com os absurdos tão maiores do que a ficção pode criar, mais as peruas, os metidos, as carteiradas e mais tudo do qual tentamos fugir e insiste em nos perseguir.
Pour l'amour, tout l'amour et seulement l'amour” e os erres se arrastando daquela forma linda que enfeitiça os ouvidos... Basta sentir-se assim por um momento, um hiato de amor, dentro do resto...
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
Um filme para amantes de teatro, sobre amantes de teatro e sobre a magia e grandeza do teatro. Uma homenagem maravilhosa e merecida à peça francesa “Cyrano de Bergerac”. O filme mostra alguns dos grandes: Tchekov, Stanislavski, Lumiére, passeando e vivendo por Paris.
Lindo, poético, sensível, sonhador. Como todas as vidas e pensamentos deveriam ser. Apresenta alguns clichês de época, mas são perdoados perfeitamente. Ao mesmo tempo deixa mensagens, avisos, ensinamentos e marca a história. Tratar bem os artistas deveria ser comum, por que eles e a sua obra são patrimônio de um país.
O talento e a criatividade precisam de ambiente para se desenvolverem e se libertarem e cada um tem a sua forma. Dizem que Edmond Rostand, quando inspirado, conseguia escrever 250 versos num dia. Incrível. O filme mostra um homem sonhador, com um interior doce e belo e com uma capacidade de usar as palavras extremamente rara. E a ideia da peça é de gênio. Ele era um gênio. Que passou dificuldades quando a inspiração e a criação não surgiam, foi criticado, ele sabia que era diferente. Sempre me encantou esta história que Edmond Rostand foi capaz de criar. Quem não conhece, precisa conhecer.
Atores extraordinários, especialmente Thomas Silivérès, o Edmond.
Como era bom ter podido conhecer uma alma tão pura e rica como Edmond Rostand. Onde andam os Rostand de hoje?
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt7201846/
Circuito Saladearte