Não é muito comum a gente escrever sobre animação e ainda por cima curta, mas VIDA MARIA aponta uma coisa que os políticos e suas políticas de educação usam para nos sufocar.
De uma maneira muito simples, singela mesmo, Marcio Ramos esfrega na nossa cara, na cara do Brasil que nós abandonamos as pessoas à própria sorte. Não uma outra; muitas. Milhões delas e há séculos.
Quando a gente ouve a primeira mãe de Maria reclamar da perda de tempo que é uma criança desenhar letras com tanta coisa pra fazer na roça, o coração já fica dolorido, já quer parar. Por quê fingimos não ver a cada novo governo que isso é uma repetição que não pode mais acontecer? Que a gente precisa de escola, de vacina, de comida, de trabalho. Não a ponto de uma criança pequena não poder estudar, mas a ponto de que uma família possa se sustentar.
Se isso acontece no nordeste é porque o nordestino é coitado; mas acontece também no norte, o caboclo é um coitado, o caiçara (pescador) é coitado, o desempregado é coitado. Isso acontece porque 95% de nós é mais ou menos coitado, num lugar dividido como Brasil dos pobres e dos muito ricos – tudo nesse Brasilzão de meu Deus.
Hoje eu olho pro céu infinito do Brasil e não vejo nada além da secura da falta de projeto pro povão. E olha a Maria do desenho lá de novo e de novo e de novo - Três, quatro, dez gerações e a coisa nunca muda. Já se somam mais de quinhentos anos e a coisa não decola. Tem Maria na Amazônia, no Pantanal, nas cidades satélites de Brasília, nas favelas do Rio, nos Pampas, no Pelô da Bahia. Nós somos a Maria e no Japão existem robôs recepcionistas...
Tem alguma coisa louca acontecendo no Brasil. Quando a mãe do meu amigo, de 82 anos diz que não deve tomar vacina porque é fã do presidente, tem alguma coisa muito errada. Porque nessa discussão, quem pode realmente morrer é essa Maria, a Maria velha, que já deu tudo o que podia para o Brasil. Tudo. Mas agora o Brasil pede a sua vida.
No desenho, nunca tem fim. Mas na vida real, na nossa vida, na vida do brasileiro, há de haver um fim de honra. Porque os heróis do Brasil, quem nos constrói, não mora em apartamento funcional ou nos palácios. Nós somos as Marias do Brasil. E quem escreve, não está desenhando, excelência. Quem escreve, escreve o futuro. Por isso o nosso continua assim, tosco e desértico.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Como cada um de nós pode aprender a permanecer nos ciclos da vida que são saudáveis e felizes? E como cada um de nós consegue quebrar os ciclos que nos asfixiam, nos impedem de ter vidas plenas? Como educar, dar o melhor que temos para os nossos filhos, sem os impedir de serem livres e de serem o que vieram para ser? Como a vida por vezes se torna uma ratoeira? Um lugar escorregadio de onde não conseguimos sair?
Esta curta de animação é um tiro certeiro no que sucede com – diria - 99,9% das pessoas do mundo. A vida dos avós, repete na dos pais, repete nos filhos, repete nos netos, etc, etc, etc. Nesta curta a vida difícil, onde todos precisam ajudar, onde não existe espaço para mais do que sobreviver. Onde o que você deseja e sonha fica sempre para “amanhã” porque o agora é cheio de problemas.
Percebemos e recordamos com muita clareza onde estão os momentos e as pessoas que podemos apelidar de “gatilho” na nossa vida. Pessoas que nos abrem a possibilidade de mudar de ciclo, de tentar tocar o nosso sonho. Momentos em que a nossa decisão vai distanciar, adiar, aproximar, acelerar o sonho. Possibilidades, caminhos que abrem ou fecham. Situações que demoram dias ou anos a conseguir...ou nunca se conseguem. Medos e frustrações que se repetem. Todos precisamos encontrar um equilíbrio entre seguir as tradições da família, entre colaborar na sobrevivência de todos e entre a busca do que viemos fazer a este mundo. Boa sorte para todos nós e energia para nunca desistir. Talvez aí esteja a magia de ser feliz...
Sensacionais imagens, trilha sonora que nos dirige totalmente e nos aperta o coração, planos incríveis que parecem filmados na vida real. A passagem do tempo feita com maestria e carinho. Uma sensibilidade encantadora e triste, de Márcio Ramos. Um trabalho incrível. A cena final é uma obra prima...
Ana Santos, professora, jornalista
Curta de Animação “Vida Maria” completa
https://www.youtube.com/watch?v=yFpoG_htum4&t=450s
Diretor: Márcio Ramos
Sinopse:
"VIDA MARIA" é um projeto premiado no "3o. PRÊMIO CEARÁ DE CINEMA E VÍDEO", realizado pelo Governo do Estado do Ceará.
Produzido em computação gráfica 3D e finalizado em 35mm, o curta-metragem mostra personagens e cenários modelados com texturas e cores pesquisadas e capturadas no Sertão Cearense, no Nordeste do Brasil, criando uma atmosfera realista e humanizada.
Vencedor de mais de 50 prêmios em festivais de cinema nacionais e internacionais, é dirigido por Márcio Ramos e conta a história de Maria José, uma menina de 5 anos de idade que é levada a largar os estudos para trabalhar. Enquanto trabalha, ela cresce, casa, tem filhos, envelhece.
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