Muitas vezes eu sinto que a “vacina contra atrocidades humanas” precisa de um reforço porque insistimos em esquecer tudo o que o mundo já passou. A “validade do sofrimento” que a II Guerra nos impingiu não pode ser esquecida.
Estamos a caminho de perder 200 mil pessoas até o final do ano de 2020 só pela Covid-19. 200 mil famílias em perda, 200 mil pessoas só no Brasil entraram numa luta para a qual não foram chamadas ou que se tenha lhes perguntado se queriam estar nela. Apenas passaram pelos “tiros” dados pelo vírus e, porque quiseram estar perto deles ou não, o fato é que adoeceram, sofreram e morreram.
Em BELSEN, A HISTÓRIA DESCONHECIDA, vemos a desumanidade que justifica a morte, a explica e pedagogicamente “esmaga a maçã” para comprovar a sutileza do mal. E o mal, num dado momento, deixa de ser mandar o cão matar a criancinha – o mal se estabelece quando as criancinhas sabem que a morte pode vir por causa de um resto de maçã – e se protegem dela.
Temos que nos revacinar contra as ditaduras. Temos que nos revacinar contra o tratamento que dispensamos às pessoas – sejam elas refugiadas, faveladas, abandonadas ou, por outro lado – abonadas, sorteadas ou tocadas pelo dinheiro ou benesses. Temos que nos revacinar para as vermos pelo principal – que são pessoas.
E as pessoas continuam morrendo no mundo, vítimas de genocídios diferentes – mas existentes.
No Brasil, matamos negros pobres aos montes. Matamos por hora. Por qualquer motivo. Porque olhou de um jeito estranho. Matamos gays e trans também. Batemos neles, os esfaqueamos e até escalpelamos. Impiedosamente. Matamos os povos tradicionais da floresta silenciosamente, com um cinismo que envergonha. Dizemos que não há povo da floresta, não há preconceito, não há incêndio, não há animais morrendo, não há problema ambiental, não há necessidade de máscara, nem há prioridade em vacinar índios e detentos porque não há uma prioridade realmente visível. De nada. Nós olhamos ao redor e vemos pessoas que precisam se revacinar para verem quem está ao seu lado, quem precisa de um olhar, de ajuda, de uma palavra, de água ou de pão.
Ver BELSEN, A HISTÓRIA DESCONHECIDA tão perto do Natal é a dor da picada da vacina que precisamos tomar porque desta dor de existir, podemos salvar milhões que sentem a dor de perder e de ter que sobreviver. Esta dor dói no silêncio da pausa para um gole de água. Dói nos olhos que tentam cobrir um espaço imenso, reconstituindo o mal e se perdoando por terem sobrevivido a ele.
A RTP, mais uma vez, sem apelar para iniquidades, mostrou a dor. Ironicamente, a Belsen que encerrou tanto mal, é um lugar lindo. E também ironicamente, estamos diante de um mundo que insiste em negar o recebimento da vacina da história para se proteger de si mesmo e do nível de crueldades a qual pode chegar.
Imperdível.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um documentário obrigatório. Bem feito, com qualidade, bom roteiro, com gentileza, marcando momentos de dor com o silêncio, com serenidade. Respeita a história, respeita a dor, o passado, respeita e mostra o sofrimento e as marcas que ficam para sempre do que foi horrivelmente vivido. E serve para nós entendermos bem como é rápida e silenciosa a descida para as ditaduras, para o horrendo, se ficarmos sempre fazendo de conta que não vemos ou achando que é um exagero quando nos avisam.
Ninguém tinha visto nada como Belsen...
Aprender com a história.
Aumentar o conhecimento.
Ouvir várias “versões”...as verdadeiras várias “versões”.
Ficar atento.
Preparar-se para o inesperado.
Sempre contribuir para impedir, educadamente, moralmente, que aconteçam inesperados “desesperadores”.
A vida é um sopro.
A vida muda num segundo.
Frases conhecidas de todos nós. Neste documentário, testemunhos emocionantes dos que sabem bem o que isso é e que educadamente avisam os que ainda andamos distraídos.
Choremos profundamente pelo que somos capazes de fazer uns aos outros. Tentemos de todas formas, em todos os momentos que tivermos oportunidade, mudar isso. Mostremos a nossa inteligência no que realmente é importante.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o documentário “Belsen, A História Desconhecida”
Director: Tom Stubberfield
Elenco: Hannah Atwood, Kate Fleetwood
Sinopse
A história não contada do infame campo de concentração Bergen-Belsen, onde mais de 52000 pessoas, a maioria judeus, perderam a vida na Segunda Guerra Mundial
O dia 15 de abril de 2020 marcou o 75º aniversário da libertação de Bergen-Belsen, um dos mais infames campos de concentração nazis da Segunda Guerra Mundial. Local onde mais de 52000 pessoas, a maioria judeus, perderam a vida em condições horríveis, principalmente de fome e doenças, incluindo Anne Frank e sua irmã Margot. Poucos conseguiram sobreviver, e aqueles que o fizeram carregam para sempre as suas memórias. Num documentário poderoso, os sobreviventes desse campo de concentração horrível regressam ao local onde se localizava na Alemanha. Crianças à época em que foram feitas prisioneiras, partilham as vívidas memórias de como sobreviveram a um dos campos mais mortais da Segunda Guerra Mundial e revelam a sombra duradoura que lançou sobre as suas vidas.
Link do documentário