Eu esperava gente nonsense e fora da realidade, mas o filme ultrapassa as expectativas. Primeiro, que o que eles chamam de segurança, eu traduzo sem medo por aprisionamento. A falta de noção de realidade, da vida; a falta de gosto; ver todas aquelas casas iguaizinhas, como se fosse um pombal de dois andares; ver as pessoas correndo em círculos como hamsters; ver que uma das crianças tem um hamster e mais um irmão, ambos presos, cada um na sua gaiolinha, no seu chiqueirinho; lembrar do cercadinho de Brasília – com tudo combinado para que não se veja o real, os fatos, as verdades... o filme é exaustivo.
O filme deixa a desejar em mil pontos, a partir da narração, que é mesmo terrível. Porém, nada – nada - se compara à falta de senso das narrativas. Fico me perguntando que, se esta é a elite, ou estamos num mato sem cachorro, ou nós – o povo – vamos entrar em campo e mudar a mediocridade reinante por alguma coisa menos obtusa.
Mais do que ver o “pseudo declarado mundo seguro e encantado”, vi pessoas vazias, habitantes de um mundo igualmente vazio, que nos veem como “seres, pedaços de gente, diferentes culturais, raciais” – tão assustadoramente diferentes que não se sentem capazes de dividir conosco o espaço numa praça de alimentação de shopping.
A gente, a cabeça, o pensamento e o que se vê é a aridez dos conjuntos vazios, a soma de parcelas zero – vemos o nada absoluto.
Vale vermos com muita atenção porque são esses filhos que nos pedem votos, dizendo que se preocupam em solucionar nossos problemas. São esses filhos, com esses sobrenomes, morando nesses condomínios. Alienação, pra eles, mesmo com sobrenome famoso, é muito pouco.
Com muitos problemas, pelo vazio absoluto e assustador de ideias, de conhecimento e de nenhum convívio social, vale assistir.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
O mundo realmente é cheio de mundos, cada um mais diferente do que o outro. É impressionante isso! As diferenças não são só culturais, nem geográficas. Num mesmo lugar as pessoas podem viver de formas assustadoramente opostas – uns sem nada e outros com demasiado (não digo tudo porque não têm tudo, mas sim demasiado). O “formato” Alphaville que existe por todo o Brasil e por todo o mundo, gostaria de dizer que era incrível, mas na verdade é mais preocupante e assustador. Espaços enormes controlados, seguros, onde você tem uma casa, junto de outras e outras e outras – umas vezes iguais, outras vezes completamente diferentes - mais parecem cidades fantasma. O documentário, simples, até um pouco imaturo, nos dá uma ideia de um lugar que é para poucos e que poucos têm acesso até para filmar. As pessoas com confortáveis condições financeiras e com uma ideia bizarra de categorização do ser humano ocupam lugares caríssimos, cidadezinhas, enormes condomínios, onde vivem como se a vida fosse assim, como desejam – uma casa, colada a outras casas, cada uma com empregadas e empregados para tudo. Escolhem esta forma cara de viver justificando que a vida “lá fora” é demasiado insegura. No documentário é localizado em S. Paulo, mas podia ser no Rio de Janeiro, ou outras centenas ou milhares de cidades no mundo. Dizem que têm tudo, incluindo segurança, conforto e luxos. Ao assistir o documentário vi pessoas com muito dinheiro, mas também com dificuldade em conviver com pessoas mais pobres, pessoas com outros objetivos de vida. Vi que na verdade não sabem fazer nada para além do seu “ofício” ou profissão. Não sabem cozinhar, limpar a casa, cuidar dos seus filhos, cuidar do seu jardim, carro, lar. Para piorar não sabem tornar o lugar onde vivem, num lar. Casas frias, parecem aquelas casas alugadas por um tempo onde a pessoa nem tem tempo de se entregar a elas. Podem ter muito dinheiro mas aparentemente, como referíamos, vivem em espaços sem alma, sem alegria, sem carinho, atafulhados de mobílias demasiado grandes para as divisões das casas. Essa sensação fica apenas pelas imagens. Temo que seja pior a sensação ao vivo. A comunicação com as empregadas é algo que nem se devia chamar comunicação. E a sensação com que se fica é que afinal pagam para viver numa prisão, segura, com câmeras de vídeo e seguranças em todo o lado, mas uma prisão.
O acesso aos lugares diferentes é muitas vezes a diferença entre um cineasta famoso ou não e isso nada tem que ver com seu talento. Tem mais que ver com as portas que tem abertas e as que o ajudam a abrir. Para quem nunca viu as entranhas do mundo rico brasileiro, é um documentário interessante.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Documentário produzido em 2008 sobre a vida dentro dos condomínios fechados de São Paulo.
Diretora: Luiza Campos
Link com o documentário completo