O canal de televisão SIC de Portugal indicou essa série e como os cinemas estão proibidos, o Bug abriu asas em outras frentes. Acreditamos real e piamente que as pessoas não vão fazer nada além de ficar em casa, arrumar armários, ler, conversar, rever pensamentos, ações, relações e – ver filmes. Eu e Ana Santos já estamos fazendo isso e, nessa série de quatro capítulos sensacionais, Octavia Spencer nos distrai do que estamos passando emocionalmente diante da multiplicação indistinta de doentes do Corona vírus por diversas razões. A primeira e principal é porque ela entra numa competição que mais parece uma luta de vida ou morte – assim como nós – e vence, contra todas as projeções.
A possibilidade de viver um momento difícil, mas otimista é inigualável neste momento, creio eu. Madam C. J. Walker enfrenta o preconceito por ser mulher, negra, pobre, feia, gorda e vira uma deusa da estética, podre de rica. Rica não – milionária, vizinha de Rockefeller. Seu sonho/visão orbita o filme inteiro, numa montagem que, embora histórica, guarda momentos de edição modernos, embora sutis, como pede a linha da história. Pense no papel de uma mulher na pós abolição, logo no início do século XX, com direito a ku klux klan, machismo, traições, assédio e sem direito a voto. Bem, já estivemos diante de desafios assim, já fomos atacadas de muitas formas. E embora o caminho não tenha todas as conquistas, temos mulheres que fizeram o trabalho histórico de nos abrir portas. Madam Walker foi uma delas.
Para além da sujeira das nossas relações, o filme mostra um desejo de vencer acima de qualquer prova, qualquer impedimento – e isso me deixou orgulhosa e mais firme na luta que começamos a travar agora no Brasil, mas que vem se movendo pelo mundo inteiro. Vamos largar alguns pedaços no caminho, vamos perder vidas importantíssimas porque cada vida é importantíssima, o mundo vai mudar totalmente do que o imaginamos e vivemos, as relações serão diferentes – mas, para além dos inconscientes, o desejo de vencer e nossas ações para vencer ali estarão e faremos história, como ela.
De muito ela abriu mão, por muito ela brigou - chegou a nossa hora de lutar, agora. Um filme onde não existe, não paira a ideia da derrota. Onde Madam Walker foi à luta e construiu um império – e mesmo sabendo que construir, pra nós, é ficar imóvel, em casa e que isso pode ser muito difícil, estamos aqui, prontos para sermos solícitos na nossa imobilidade de quarentena – isso vai ser o nosso império, se o conquistarmos.
Vejam a série, sintam orgulho, curtam a montagem e cuidem do mundo ao fazê-lo – ao ficarmos parados, imóveis, estamos salvando vidas e reconstruindo o nosso mundo.
Ana Ribeiro, diretora de TV, cinema e teatro
Enquanto está por casa, se desejar ver um filme ou uma pequena série de televisão, de qualidade, esta pode ser uma das escolhas.
Baseada numa história verídica, conta a vida da primeira milionária negra dos Estados Unidos. Que vida e que determinação!
Hoje em dia existem muitas mulheres negras que lutam pela sua visibilidade e equidade, através da venda de produtos para o cabelo, como cabeleireiras, etc. Esta série é obrigatória para essas pessoas. Obrigatório conhecer a história de Madam C. J. Walker. Sofreu, sofreu e sofreu. Mas ninguém a demoveu do que queria. Poucas pessoas que conviviam com ela, inclusive o marido, compreendiam o que desejava e a verdade do que sonhava. Teve de enfrentar inveja, traição, mentira, exploração, tentativa de estupro, humilhação. Quase uma vida de novela. Ou, se olharmos bem, a vida de quem sonha grande e não desiste nunca. A vida de quem quebrou limites, tabus, regras, numa época extremamente racista, machista e injusta. Enfrentou momentos e situações duras mas o que queria era maior. MAIOR. Também teve os seus preconceitos, nomeadamente com a filha, mas a vida, a doença e o amor fizeram os seus milagres e tudo "ressignificaram". Uma história de vida de respeito. Um exemplo para todos e principalmente para todas.
O cabelo dos negros é lindíssimo. Ponto. Sensacional, com personalidade, brilho, com vida, impactante na imagem e estética. Inacreditável como foi durante muito tempo algo considerado negativo. Um cabelo forte considerado negativo? E o cabelos de algumas pessoas de cor branca, sem força, fino, sem energia nem brilho é positivo? Isso não é certo. Tanto num caso como no outro, é o cabelo de cada um e é bonito da sua forma. Isso deve ser respeitado em cada um de nós.
Atores extraordinários, um roteiro, uma direção e uma edição super modernas e sensacionais.
Ana Santos, professora, jornalista
TV Série – Netflix
1 temporada de 4 episódios
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