“VOTO ESCONDIDO, POVO COMPLEXO” e “Alfabetização Cognitiva” Bug Sociedade
- portalbuglatino
- 1 de jul.
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“VOTO ESCONDIDO, POVO COMPLEXO” Bug Sociedade
Eu passo todos os dias por um edifício onde uma parte dos apartamentos é duplex e os três últimos andares constituem dois triplex. Isso pela rua que passa na frente do prédio. Todos os dias eu também passo na rua dos fundos desse mesmo edifício. Mas não parece o mesmo lugar, nem de longe. O que de frente é luxuoso, por trás é sujo, cheio de ratos, com fossa entupida, mato, coco, reboco caindo – o que afeta a rua detrás inteira.
A Prefeitura de Salvador - por algum motivo inexplicável - não tem nenhum departamento onde se possa reclamar de áreas privadas abandonadas ou mal cuidadas. A Câmara de Vereadores talvez nunca sequer tenha pensado que existam áreas abandonadas que têm donos e que na prática são piores do que terrenos baldios.
Com a polêmica sobre a desaprovação ao projeto do Governo Federal sobre o pagamento do IOF – um dos poucos impostos que só atingiriam quem ganha mais de 1 milhão por ano – e que “suas excelências”, os deputados e senadores nos deram para pagar, no lugar dos super ricos – fiquei pensando em como as coisas são caprichosas no Brasil. Os super ricos não ficam nem vermelhos. Passam suas mazelas “para as ruas detrás da vida” e com lanchas, aviões e luxos para si, chutam a aposentadoria dos que, no governo Temer, perderam inúmeros direitos trabalhistas. Aliás, nem piscaram.
Aqui em Salvador, como em Brasília, as “ruas da frente” são triplex para que as dos fundos possam esconder “todo o lixo” – na frente, piscina e cozinha gourmet em construção pagos pelo condomínio; no fundo, ratos e coco à vontade e sem nenhum responsável. Nos coube ir ao Ministério Público para resolver desde árvores não podadas em áreas privadas que já arrebentaram os fios elétricos e cabos, que quase caíram na cabeça dos transeuntes, que derrubam postes - e também cooptar vizinhos e conhecidos para não sermos apenas nós a denunciarmos os mal feitos – já que as pessoas não se colocam em ação.
Corrupção passa pelos fundos, enquanto falas sobre pautas de costumes, passam pela rua da frente, como que para distrair a vista dos eleitores que perdem tempo precioso discutindo coisas inúteis. Enquanto isso, os candomblés - que deveriam ser respeitados como todas as religiões - têm seus terreiros invadidos e depredados no silêncio da noite – pela frente fé, pelos fundos crimes. Pela frente votação e discurso pelo bem da população e pelos fundos orçamento secreto, emendas impositivas, muito menos impostos para os mais ricos como sempre, historicamente. E as pessoas comuns pagam e calam, pagam e ignoram.
A coisa é tão complexa que milhões de pessoas comuns – algumas até pobres – defendem que elas mesmas devem mesmo pagar 27% de imposto, sem que os muito ricos paguem pelo menos a mesma coisa que as pessoas comuns. Não veem que assim os ricos, mais uma vez, escaparam de pagar pelo menos 10% de Imposto de Renda sobre lucros e dividendos das suas empresas, além de outras mudanças na tributação de grandes fortunas e investimentos. São pobres e se veem ricos, vendo os ricos como “coitadinhos que precisam de ajuda”. Complexo esse sentimento. Histórico.
Facilitaria se a Prefeitura de Salvador ou os vereadores da nossa cidade percebessem que nem tudo pelos fundos é igual ao que aparece pela frente. Facilitaria se o Congresso Nacional percebesse que os ricos fazem lobby, “molham a mão”, oferecem vantagens, mas o chefe mesmo é quem paga a conta – no caso, nós.
Chega de rua da frente chique e chiqueiro na rua dos fundos. O Brasil é um só. Eu não quero mais pagar a conta da festa na rua da frente da casa dos outros.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Alfabetização Cognitiva” Bug Latino
Em breve faço 59 anos. Pois é. Depois de tantos anos, de ser professora por mais de trinta anos, de ter mestrado em psicologia, percebo que sou analfabeta cognitiva. Já pensou? E, não sei se estão preparados para o que lhes vou dizer, mas vocês também são. Isso, vocês também são analfabetos cognitivos. Bom, passado este período de susto, de recusa, até de alguma vontade de me “xingar”, respire fundo e sente. Vamos conversar sobre isto. Eu estou ouvindo uma entrevista de um físico e neurocientista chamado Vicent Botella. Digo estou ouvindo porque não consigo assistir de uma vez com medo de perder alguma informação e com medo de não digerir tudo, não aprender tudo. Não, não é complexa, mas fala de assuntos que nunca tinha ouvido desta forma, fala das nossas vidas, do que pensamos, como decidimos, e são tão úteis as suas informações que quero ouvir aos poucos e tentar adequar à minha vida tudo o que é importante. E uma das suas expressões que nos chacoalha é que precisamos de nos alfabetizar cognitivamente – todos. Porquê? Porque para economizar energia e tempo, nosso cérebro rapidamente associa situações e comportamentos. Mas carrega-nos de “sesgos” cognitivos, como dizem os espanhóis – preconceitos cognitivos como dizemos nós.
Alguns exemplos:
Preconceito de auto-serviço. Quando fazemos algo bem, somos bons e únicos, mas quando fazemos algo errado a responsabilidade é dos outros ou das circunstâncias. Sempre encontramos um lugar melhor para nós quando na verdade, tanto no bom como no mau, existe responsabilidade nossa.
Preconceito retrospetivo ou preconceito à posteriori. Temos tendência para considerar “esperado” algo que já aconteceu – “devia ter previsto” – quando na verdade não podíamos imaginar, nem tínhamos nenhum controle sobre isso. Isso leva a uma culpa desnecessária de colaboradores e líderes.
Preconceito de confirmação. A sensação que estamos certos, faz com que não demos importância aos avisos e a outros pontos de vista. Em posições de chefia e de liderança isso é um erro que pode custar muito caro. Ouvir os outros, principalmente os que consideramos inferiores – eles sabem o que não sabemos e podem nos salvar de decisões muito erradas.
Preconceito de falso consenso. A sensação que minha postura arrogante e agressiva com meus colaboradores faz parte da minha função e que todos entendem que “eu tenho de proceder assim”.
Preconceito de memória. Quando precisamos de recordar algo, frequentemente recordamos algo muito positivo ou algo muito negativo, nunca situações equilibradas. Isso nos leva a fazer juízos de valor e a tomar decisões baseadas em informações deturpadas.
Preconceito de disponibilidade. Naturalmente optamos por situações que nos mantêm confortáveis, que não provocam muitas alterações na nossa vida, no nosso futuro. Evitamos sair da nossa “zona de conforto”, perdendo muitas vezes grandes oportunidades.
Preconceito do ‘status quo’. O medo de não estar à altura do que nos é proposto. A voz interior que nos diz que estamos bem assim. Rejeitar promoções, convites, viagens, mudança de profissão, porque tudo isso é errado ou prejudicial.
Preconceito de auto-justificação. Justificarmos comportamentos incorretos. Por exemplo, dizer que chegamos atrasados porque a reunião nunca começa no horário. Ou não colocar protetor solar porque afinal sabemos que vamos morrer de algo.
Preconceito de autoridade. “Se o meu chefe disse é porque é assim”. Ou, se um ex-jogador de futebol famoso está fazendo publicidade a um alimento ou a Bets, é porque são coisas boas. Hábito de determinar a verdade ou a justiça pelo que dizem ou pensam os outros que consideramos ou admiramos. Cuidado! A vida é sua, não deles.
Alguns, mas existem imensos. Procure na internet, preconceitos cognitivos e alfabetize-se. Um por semana. E alfabetize seus vizinhos, seus amigos, seus familiares.
Ficamos focados nos preconceitos mais visíveis, mas não avançamos, não melhoramos. Porque primeiro precisamos de perder estes, elementares, basilares, essenciais. E então, depois, mais facilmente movemos as pedras dos preconceitos fundamentais. Primeiro aprender a ler, contar e escrever para depois aprender a escrever livros, a fazer discursos, a construir casas.
Ana Santos, professora, jornalista
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Terça-feira, dia de escrever sobre o que acontece no dia a dia.
De crítica, de conselhos, de admiração, de espanto, de encontrar caminhos melhores para todos.
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