“PALAVRAS SÃO JANELAS OU PAREDES” Bug Sociedade
E lá vamos nós de novo, como crianças bobas, discutir a rebimboca da parafuseta entre o BIS e o KIT KAT, enquanto o importante é você ter um lado para defenestrar ou os israelenses ou os palestinos – ou seja – entre “gargantas e palpiteiros”, todos foram condenados.
O Filipe Neto está podre de rico, o Bolsonaro é o rei do PIX – e você? E eu? Nós somos o ruído. Não ganhamos nem 2 centavos, alimentamos e caímos como patos no conceito de marketing e perdemos a oportunidade de parar por um instante pra nos perguntarmos qual a melhor versão de nós mesmos diante desses temas.
Entre Bis e Kit Kat, honestamente, tenho bem mais o que fazer. Enquanto a minha melhor versão escreve pra que todos se sintam estimulados no Bug Latino a se perguntarem quem são é o que estão fazendo nesse mundo, nessa vida, em como podem contribuir, não posso perder 1 segundo com essa bobagem.
Quanto ao conflito entre Israel e o Hamas, minha melhor versão de mim diz que não é possível agora que se invente que há vítimas que não devemos sentir ou que não merecem que sintamos ou que valem menos que outras - ou seja o que for que não iguale seres humanos em sua humanidade. Todos os mortos e seja qual for o tipo de morte que tenham tido: que dor... como o mundo pode ajudar a punir, não comprar, não usar para causar prejuízo – agora sim isso é útil. Como o mundo pode impedir que pessoas continuem sendo assassinadas, seja por Israel ou Hamas? Como podemos pressionar? Como podemos ajudar a neutralizar péssimos líderes e nos unirmos na difícil construção da paz?
A rasa discussão com o chocolate na boca, seja qual for, expõe a falta de água pra beber, de comida, de espaço pra viver. Expõe como viver sossegado em qualquer lugar do mundo, vendo que não há espaço físico para os palestinos sobreviverem - e logo isso ganha a dimensão correta - precisa ser resolvido em paz e com comida.
A sua melhor versão de você não pode pensar em chocolates, enquanto as atrocidades se acumulam, mas você olha a diplomacia brasileira e sente que estamos tentando tudo e que apenas o tudo basta. Nada de palavras frívolas que os tolos amam na boca de qualquer um, como mídia ocidental, direita e esquerda; mas vidas, espaços de sobrevivência, recuperação de reféns, comida, água e cama. O Brasil está fazendo o seu tudo e isso emociona e orgulha a minha melhor versão de mim.
Então, antes de gritos ocos, altos, mas frívolos, o que a sua melhor versão de você mesmo pode fazer para ajudar? Você que fez o PIX pro EX, comeu chocolatinho, mandou recado pro ET: o líder do Hamas também culpa a mídia ocidental por “inventar que civis morreram em Israel”. As mesmas palavras que ouvimos aqui! Nós vimos os filmes na Tv e choramos. Nós vimos as pessoas morrerem de Covid. Choramos. Nós vimos os palestinos morrerem encurralados entre dois lados impiedosos. Choramos. Nós vimos os pobres serem exterminados em batidas mal planejadas pelo Brasil. Vimos um camburão da polícia rodoviária virar uma câmara de gás. Choramos. O que a sua melhor versão fará? Mas, por favor, apenas não coma mais chocolatinho.
“Sinto-me tão condenada por suas palavras,
Tão julgada e dispensada.
Antes de ir, preciso saber:
Foi isso que você quis dizer?
Antes que eu me levante em minha defesa,
Antes que eu fale com mágoa ou medo,
Antes que eu erga aquela muralha de palavras,
Responda: eu realmente ouvi isso?”
Fragmento de Palavras são Janelas (ou Paredes) - Ruth Bebermeyer
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Para além da imaginação” Bug Sociedade
Imaginamos o bem, a magia, a felicidade. E ao imaginar, começamos a organizar o nosso pensamento e nossos comportamentos nessa direção. Muitas coisas boas acontecem na nossa vida por causa disso.
O medo e o receio pelo horror e pela desgraça, fazem-nos travar a imaginação para o mal. Por isso, com o mal, consideramos que é sempre algo meio que repetido e dos maldosos espera-se sempre as mesmas coisas horrorosas. Como uma escala onde observamos quem consegue ter a maldade de ir mais longe. Também não sabia que existiam regras e leis nas guerras. Achava sempre que se fazia e faz coisas demasiado horrorosas para pensar que são coisas contidas e limitadas por regras. Nunca parecem ter regras, nem militares a respeitarem essas regras. Os civis que o digam. A mentira vira uma forte arma, por exemplo, entre outras características menores – muito menores – do ser humano. Mas desta vez, entre Israel e o Hamas, percebe-se que será necessário recalibrar a escala das maldades. De novo. Penso nas maldades que se fizeram durante a ditadura no Brasil, na guerra do Vietname, na antiga Jugoslávia, no Ruanda, no Holocausto, no Congo Belga, na invasão da Rússia à Ucrânia. Como conseguimos sempre criar novas maldades, ou rebuscar as piores maldades anteriores e dar-lhes um aumento? É inacreditável. Eu sinto vergonha de ser humana, vergonha alheia, vergonha dos nossos defeitos, da nossa falta de coração, da nossa ganância, da nossa falta de respeito pelos civis, pelos idosos, crianças, jovens, mulheres.
Um dia ouvi um depoimento de um homem, num documentário, onde ele dizia que ficou viciado em matar. Matou a primeira pessoa e isso lhe causou estranheza, mas imenso prazer. E, como um vício, quis repetir essa sensação as vezes que pôde.
Ver as imagens, ouvir depoimentos, perceber que o que o Hamas quis foi atacar civis, distraídos, despreparados, inocentes, sensíveis, frágeis, para ferir a honra, a alegria, a pureza e que agora Israel vai retribuir, provavelmente em dobro, lembrei desse homem. Ao fazer isso a cada pessoa, eles sabiam que estavam fazendo a todos – familiares, pessoas que se identificam com essas pessoas, nós que assistimos e nos tentamos colocar no seu lugar. E devem estar “babando de prazer”, viciados de maldade, percebendo o caos e a dor que provocaram. Quanto mais sofremos, mais se babam de prazer. Os israelitas são conhecidos pela sua intensidade nas vinganças. E o Hamas se vingará e Israel de novo e vemos alguns países a se misturarem, o Hezbollah se aproximando.
Tento ver alguma coisa para estar a par, evito ver demasiado para não ficar amargurada, sinto culpa por estar bem, sinto-me impotente por não poder ajudar em nada, percebo que isto não vai ter fim, nunca. Nunca. Só vai piorar, mudar de forma, destruir muitas pessoas inocentes. Veja aqui como um líder do Hamas, tranquilamente, afirma que não atacaram civis e que tudo é uma manipulação ocidental. Aqui um pai que perdeu a filha, umas das que foi barbaramente atacada, falando em paz e que não é possível continuar a achar que se resolve este embate de 75 anos, com mais guerra, ataques, destruição, maldade e dor. Acho que todos sabemos que as guerras nada resolvem.
Kaylee McKeown, a australiana recordista e campeã de 100 e 200 metros costas, confirma. Ela não quer ser melhor do que ninguém, ela quer ser a melhor versão de si própria. É tão simples fazer isso, como conseguimos atrapalhar tudo, todos, e complicar tanto a vida num mundo já tão difícil? Kaylee transformou a dor da perda da morte de seu pai em ouro. Transformou uma coisa má numa coisa boa. Será possível estas famílias que perderam pessoas inocentes, civis, conseguirem transformar o que aconteceu, numa coisa boa? Vai ser necessário, para isto parar um dia. Desejo que muito que consigam.
Ana Santos, professora, jornalista
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