“NOSSA COMUNICAÇÃO ESTÁ SE PARALISANDO” Bug Sociedade
Bo Seo, bi campeão mundial de argumentação, reafirma o que nós, do Bug Latino não nos cansamos de repetir: Estamos falando menos uns com os outros e a qualidade dessa comunicação é cada vez pior. Segundo palavras dele, “nossas conversas públicas estão em crise, estão paralisadas, com pessoas sempre convencidas de seus pontos de vista, gritando umas com as outras, à distância”.
Com uma descrição dessas – tão fácil de imaginar, em meio a tantos cancelamentos/dia – uma pergunta acaba sendo persecutória: há alguma saída?
Estamos vendo gritos e ofensas e cada vez menos nos envolvemos para acalmar os ânimos. Apenas não queremos nos encrencar porque a forma como as pessoas reagem é extrema. A forma como a polícia se coloca, por exemplo, deixa muito a desejar, confundindo firmeza com violência. Qualquer “autoridade” parece gostar de ser “autoritária”, quando nos devia ouvir, antes de julgar. O fato é que poucos parecem ver a argumentação como algo a ser trabalhado, substituindo-a por “um grito e dois chutes”.
Claro que vemos que nada disso dá certo: Os times masculinos do Brasil, de seleções multicampeãs, não dialogam, se excluem em nuvens masculinas, muitas polarizadas em qualquer direção e... perdem sem parar. Viraram idólatras de si mesmos, tapando a boquinha ao falar, como se todos dispusessem de segredos nunca vistos, testemunhados ou revelados, ou como se tivessem os segredos de sabedoria do mundo e fossem procurados pela mídia para compartilha-los conosco – a “plebe rude”.
A argumentação, na maioria das vezes, virou algo como “um coice virtual, capaz de atrair olhares”, juntar gente ao redor, como aquelas pessoas escandalosas que dão vexame nas festas, falam alto e chamam pra briga. Descemos a escada/escala do comportamento social nas redes como se elas nunca nos fossem descobrir e desnudar.
Com uma descrição dessas – tão fácil de imaginar, uma pergunta acaba sendo persecutória: há alguma saída?
Há. No caso familiar, é criminoso “enfiar um celular nas mãos do bebê” pra não ter que lidar com ele. Fale com as crianças, proponha assuntos, brincadeiras, leia em voz alta poesia e prosa, em suma: importe-se com as crianças de sua família. No caso de uma desavença, defina qual é o limite de sua discordância, como diz Bo Seo, antes que a sua discussão de 10 anos atrás, entre nessa, presente.
- Estamos discordando de você insistir em não se vacinar, mesmo com tantas doenças que não existiam mais, de volta, certo?
- Estamos discordando pelo fato de você não achar revoltante o massacre dos palestinos, certo?
- Estamos discordando de não darmos conteúdo emocional à perda humana irreparável de Alexei Navalny, à sua história e a perseguição e morte sempre suspeita dos inimigos de Putin, concorda?
Viram? Eu já retirei o dia em que “você me acusou de ter pisado no cocô e entrado em casa”! Mas não basta. Ao treinar minha argumentação, eu preciso ouvir a sua, me apropriar do que você pensa. Do contrário, como perceber as fragilidades que ela tem? Como explorá-las?
Mas ainda um detalhe é importante e eu volto a Bo Seo: termos a humildade de dedicar um momento a pensar que podemos estar errados. E podemos. Não somos Deus e claro, podemos ter perdido alguma coisa. Tendo isso em mente, podemos discordar com empatia – o que aplaca as divergências pessoais, mas sobretudo não nos torna inimigos por termos discordâncias políticas ou ideológicas. Somos anteriores à nossa ideologia, somos maiores que um partido político e concordamos que todo Deus é infinita bondade e justiça.
Temos um bom recomeço, não acham?
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Resiliência 2.0” Bug Sociedade
“Só existem dois tipos de pessoas que não experienciam emoções dolorosas – sociopatas e mortos”, lembra o psicólogo Tal Bem-Shahar. Segundo ele, a busca pela felicidade só funciona se for indiretamente, comparando o que acontece com o sol. Não é bom olhar diretamente o sol, mas usufruir do seu calor, da sua luz, é usufruir do sol indiretamente e o mais adequado. Bem-Shahar criou o que se chama Modelo SPIRE onde descreve as formas indiretas de buscar a felicidade – espiritual, física, intelectual, relacional e emocional. Acordar todos os dias com um propósito – a espiritual. Fisicamente devemos ter muito cuidado com o estresse, esse “inimigo silencioso” e também com a falta de tempo de recuperação – sempre mergulhados na resolução de problemas nas áreas diversas das nossas vidas. Não saber quando parar, não poder parar, não ter condições de vida que permitam ter períodos para descansar, cada vez mais horas de trabalho por cada vez menos dinheiro, medo do futuro, medo de não ser capaz de prover as pessoas que estão sobre a nossa responsabilidade, etc, são venenos, perigos, linhas vermelhas. Saber parar nem que seja por segundos e apreciar o mundo em sua volta, uma ou duas inspirações serenas e conscientes de vez em quando e ao longo do dia, aprender a conectar e a desconectar das responsabilidades, perceber a tensão corporal que o estresse nos causa e lembrar de “descer” os ombros para o seu lugar, diminuir a velocidade, e mil cuidados mais destes – simples e claros. Na área intelectual, estudos recentes apontam que pessoas curiosas e que fazem mais perguntas, são mais felizes e vivem mais. Mas tudo isso deve ter envolvimento com a natureza e com materiais – pintar, fazer esculturas, cozinhar, tratar do jardim, ler livros, participar nas obras de sua casa, limpar a casa, atividade física na natureza, etc. Mexer no mundo, tocar a terra, conectar-se com o universo. Na área relacional é a qualidade dos nossos relacionamentos que interessa como bem sabemos. E mesmo assim insistimos em normalizar as relações vazias, por interesse e sem verdade. Por último, o emocional. O grande ensinamento é viver de braço dado com a Gratidão. “Quando apreciamos o que temos de bom nas nossas vidas, temos mais”, diz Bem-Shahar. E, depois de tudo isto, ele nos lembra que viver não é alcançar a chegada. Esse caminho que se faz caminhando é eterno, uma eterna busca. Além desta contribuição interessante de Tal Bem-Shahar, trago Nassim Taleb, que introduziu um conceito novo – a “antifragilidade” (antifragility). Uma espécie de “resiliência 2.0”. É costume definir a resiliência como a capacidade de voltar a ser a mesma pessoa, depois de uma experiência traumática, difícil, dolorosa, etc. A “resiliência 2.0”, nos diz que as experiências difíceis podem nos tornar melhores do que éramos antes delas nos acontecerem. O nosso corpo e seus músculos, se adaptam e melhoram depois de sessões de treino bem estruturadas e aplicadas. Quando é exercido um estresse sobre os músculos do nosso corpo eles se adaptam e melhoram – por isso pessoas sedentárias, com treino bem estruturado e tempo, conseguem correr maratonas, por exemplo. Este fenômeno foi transferido para a psicologia. Tal Bem-Shahar diz que o nome que se dá a a esse mesmo mecanismo ao nível psicológico é PTG – Crescimento Pós-Traumático. Como reação ao estresse, conhecíamos o TEPT – Transtorno de Estresse Pós-Traumático, que significa colapsar, agora conhecemos PTG – Crescimento Pós-Traumático, que é ficar mais forte. Situações que nos abalam emocionalmente podem ser geridas de forma a nos tornarmos pessoas muito melhores do que éramos.
Dizem que o mundo está na nossa cabeça, mas que sentimos na pele quando dói, todos sabemos. Transformar isso numa coisa boa, em sermos melhores é importante como vimos. Os especialistas buscam soluções, informações atualizadas, mas temos tanto a fazer, tanto caminho para trilhar. Fazer mal aos outros nos preocupa profundamente em Putin, Trump, Bolsonaro, Netanyahu e muitos outros. Mas devia nos preocupar quando as crianças tratam mal as outras crianças ou os adultos. Devia nos preocupar o que as crianças vivem e assistem dos comportamentos dos adultos. Devia nos preocupar a importância que se dá a um Big Brother, onde muito do que não presta nos seres humanos é estimulado – só falta mesmo roubar e matar. Devia nos preocupar a forma como a classe trabalhadora está ficando sem empregos ou com empregos com condições cada vez mais desumanas. Devia nos preocupar a forma como os professores estão a perder o valor na sociedade. Devia nos preocupar ainda existirem armas, bombas nucleares e todas as formas de destruição. Devia nos preocupar a cegueira dos mercados financeiros. Devia nos preocupar a forma como nos dividimos em melhores ou piores. Escolhas binárias – ou isto ou aquilo, ou ganhas ou perdes, ou tens ou não tens, é agora ou nunca. A vida, as pessoas, o universo, não são binários. E como procuro me lembrar sempre – a vida não é uma competição com os outros. É você se enfrentar, se melhorar e deixar tudo melhor do que encontramos.
Ana Santos, professora, jornalista
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